Os pais incidem sempre, para bem ou para mal, no desenvolvimento
moral dos seus filhos. Consequentemente, o melhor é aceitarem esta
responsabilidade inevitável e realizarem-na de modo consciente,
entusiasta, razoável e apropriado.
A família não pode renunciar a ser lugar de apoio, acompanhamento,
guia, embora tenha de reinventar os seus métodos e encontrar novos
recursos. Precisa considerar ao que a realidade quer expor os seus
filhos. Sempre faz falta vigilância; o abandono nunca é sadio. Os
pais devem orientar e alertar as crianças e os adolescentes para
saberem enfrentar situações onde possa haver risco, por exemplo, de
agressões, abuso ou consumo de droga.
A obsessão, porém, não é educativa; e também não é possível
ter o controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a
encontrar-se. Vale aqui o princípio de que “o tempo é superior ao
espaço”, isto é, trata-se mais de gerar processos que de dominar
espaços. Se um pai está obcecado com saber onde está o seu filho e
controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu
espaço. Mas, desta forma, não o educará, não o reforçará, não
o preparará para enfrentar os desafios. O que interessa acima de
tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de
amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento
integral, de cultivo da autêntica autonomia. Só assim este filho
terá em si mesmo os elementos de que precisa para saber defender-se
e agir com inteligência e cautela em circunstâncias difíceis.
Assim, a grande questão não é onde está fisicamente o filho, com
quem está neste momento, mas onde se encontra em sentido
existencial, onde está posicionado do ponto de vista das suas
convicções, dos seus objetivos, dos seus desejos, do seu projeto de
vida.
É inevitável que cada filho nos surpreenda com os projetos que
brotam da liberdade de escolha, que rompam os nossos esquemas; e é
bom que isto aconteça. A educação envolve a tarefa de promover
liberdades responsáveis, que saibam optar com
sensatez e inteligência; pessoas que compreendam sem reservas que a
sua vida e a vida da sua comunidade estão nas suas mãos e que esta
liberdade é um dom imenso.
A formação ética dos filhos
O desenvolvimento afetivo e ético duma pessoa
requer uma experiência fundamental: crer que os próprios pais são
dignos de confiança. Quando um filho deixa de sentir que é precioso
para seus pais, embora imperfeito, ou deixa de notar que nutrem uma
sincera preocupação por ele, isto cria feridas profundas que causam
muitas dificuldades no seu amadurecimento.
A tarefa dos pais inclui uma educação da vontade e um
desenvolvimento de hábitos bons e tendências afetivas para o bem.
Isto implica que se apresentem como desejáveis os comportamentos a
aprender e as tendências a fazer maturar. Para agir bem, não basta
julgar de modo adequado ou saber com clareza aquilo que se deve
fazer, embora isso seja prioritário. Uma formação ética válida
implica mostrar à pessoa como é conveniente, para ela mesma, agir
bem. Muitas vezes é ineficaz pedir algo que exija esforço e
renúncias, sem mostrar claramente o bem que se poderia alcançar com
isso.
É necessário maturar hábitos. Uma pessoa pode possuir sentimentos
sociáveis e uma boa disposição para com os outros, mas se não foi
habituada durante muito tempo, por insistência dos adultos, a dizer
“por favor”, “com licença”, “obrigado”, a tal boa
disposição interior não se traduzirá facilmente nestas
expressões. A virtude é uma convicção que se transformou num
princípio interior e estável do agir. Assim, a vida virtuosa
constrói a liberdade, fortifica-a e educa-a, evitando que a pessoa
se torne escrava de inclinações compulsivas desumanizadoras e
anti-sociais.
O valor da sanção como estímulo
De igual modo, é indispensável sensibilizar a criança e o
adolescente para se darem conta de que as más ações têm
consequências. É preciso despertar a capacidade de colocar-se no
lugar do outro e sentir pesar pelo seu sofrimento originado pelo mal
que lhe fez. Algumas sanções – aos comportamentos anti-sociais
agressivos – podem parcialmente cumprir esta finalidade. É
importante orientar a criança, com firmeza, para que peça perdão e
repare o mal causado aos outros.
A correção é um estímulo quando, ao mesmo tempo, se apreciam e
reconhecem os esforços e quando o filho descobre que os seus pais
conservam viva uma paciente confiança. Uma criança corrigida com
amor sente-se tida em consideração, percebe que é alguém, dá-se
conta de que seus pais reconhecem as suas potencialidades. Isto não
exige que os pais sejam irrepreensíveis, mas que saibam reconhecer,
com humildade, os seus limites e mostrem o seu esforço pessoal por
ser melhores. Mas um testemunho de que os filhos precisam da parte
dos pais, é que estes não se deixem levar pela ira. O filho, que
comete uma má ação, deve ser corrigido, mas nunca como um inimigo
ou como alguém sobre quem se descarrega a própria agressividade.
Por isso, seria nociva uma atitude constantemente punitiva: Vós,
pais, não exaspereis os vossos filhos (Ef 6, 4; cf. Col 3,
21).
Realismo paciente
A educação moral implica pedir a uma criança ou a um jovem apenas
aquelas coisas que não representem, para eles, um sacrifício
desproporcionado, exigir-lhes apenas aquela dose de esforço que não
provoque ressentimento ou acções puramente forçadas. O percurso
normal é propor pequenos passos que possam ser compreendidos,
aceites e apreciados, e impliquem uma renúncia proporcionada. Caso
contrário, pedindo demasiado, nada se obtém.
Quando se propõe os valores, é preciso fazê-lo pouco a pouco,
avançar de maneira diferente segundo a idade e as possibilidades
concretas das pessoas, sem pretender aplicar metodologias rígidas e
imutáveis. A liberdade efetiva, real, é limitada e condicionada.
Nem sempre se faz uma distinção adequada entre ato voluntário
e ato livre. É o que acontece com um viciado: quando quer a
droga, procura-a com todas as suas forças, mas está tão
condicionado que não é capaz de tomar outra decisão. Portanto, a
sua decisão é voluntária, mas não livre. Não tem sentido
deixá-lo escolher livremente, porque, de fato, já não pode
escolher. Precisa da ajuda dos outros e de um percurso educativo.
A vida familiar como contexto educativo
A família é a primeira escola dos valores humanos, onde se aprende
o bom uso da liberdade. Há inclinações maturadas na infância, que
impregnam o íntimo duma pessoa e permanecem toda a vida como uma
inclinação favorável a um valor ou como uma rejeição espontânea
de certos comportamentos. Muitas pessoas atuam a vida inteira duma
determinada forma, porque consideram válida tal forma de agir, que
assimilaram desde a infância, como que por osmose: “Fui criado
assim”.
Na época atual, em que reina a ansiedade e a pressa
tecnológica, uma tarefa importantíssima das famílias é educar
para a capacidade de esperar. Quando as crianças ou os adolescentes
não são educados para aceitar que algumas coisas devem esperar,
tornam-se prepotentes, submetem tudo à satisfação das suas
necessidades imediatas e crescem com o vício do tudo e agora.
Este é um grande engano que não favorece a liberdade; antes,
intoxica-a. Ao contrário, quando se educa para aprender a adiar
algumas coisas e esperar o momento oportuno, ensina-se o que
significa ser senhor de si mesmo, aut6onomo face aos seus próprios
impulsos. Naturalmente isto não significa pretender das crianças
que ajam como adultos, mas também não se deve subestimar a sua
capacidade de crescer na maturação duma liberdade responsável.
Numa família sã, esta aprendizagem realiza-se de forma normal
através das exigências da convivência.
A família é o âmbito da socialização primária, porque é o
primeiro lugar onde se aprende a relacionar-se com o outro, a
escutar, partilhar, suportar, respeitar, ajudar, conviver. A tarefa
educativa deve levar a sentir o mundo e a sociedade como ambiente
familiar: é uma educação para saber habitar mais além dos limites
da própria casa. No contexto familiar, ensina-se a recuperar a
proximidade, o cuidado, a saudação. É lá que se rompe o primeiro
círculo do egoísmo mortífero, fazendo-nos reconhecer que vivemos
junto de outros, com outros, que são dignos da nossa atenção, da
nossa gentileza, do nosso afeto.
O encontro educativo entre pais e filhos pode ser facilitado ou
prejudicado pelas tecnologias de comunicação e distração, cada
vez mais sofisticadas. Bem utilizadas, podem ser úteis para pôr em
contato os membros da família, que vivem longe. Sabemos que, às
vezes, estes meios afastam em vez de aproximar, por exemplo, na hora
da refeição, cada um está concentrado no seu celular ou quando um
dos cônjuges adormece à espera do outro que passa horas entretido
com algum electrônico. Na família, também isto deve ser motivo de
diálogo e de acordos que permitam dar prioridade ao encontro dos
seus membros sem cair em proibições insensatas.
Mas também não é bom que os pais se tornem seres omnipotentes para
seus filhos, de modo que estes só poderiam confiar neles, porque
assim impedem um processo adequado de socialização e amadurecimento
afectivo. Para favorecer uma educação integral, precisamos de
reavivar a aliança entre a família e a comunidade cristã. Para
isso deve-se afirmar resolutamente a liberdade da Igreja ensinar a
própria doutrina e o direito à objeção de consciência por parte
dos educadores.
Sim à educação sexual
O Concílio Vaticano II apresentava a necessidade de uma educação
sexual positiva e prudente oferecida às crianças e adolescentes à
medida que vão crescendo. A sexualidade se poderia entender no
contexto duma educação para o amor, para a doação mútua; assim,
a linguagem da sexualidade não acabaria tristemente empobrecida, mas
esclarecida. É possível cultivar o impulso sexual num percurso de
conhecimento de si mesmo e no desenvolvimento duma capacidade de
autodomínio, que podem ajudar a trazer à luz capacidades preciosas
de alegria e encontro amoroso.
A educação sexual oferece informação, mas sem esquecer que as
crianças e os jovens ainda não alcançaram plena maturidade. A
informação deve chegar no momento apropriado e de forma adequada à
fase que vivem. Não é útil saturá-los de dados, sem o
desenvolvimento do sentido crítico perante uma invasão de
propostas, perante a pornografia descontrolada e a sobrecarga de
estímulos que podem mutilar a sexualidade. Tem um valor imenso uma
educação sexual que cuide um são pudor, embora hoje alguns
considerem que é questão doutros tempos. É uma defesa natural da
pessoa que resguarda a sua interioridade e evita ser transformada em
mero objeto. Sem o pudor, podemos reduzir o afeto e a sexualidade a
obsessões que nos concentram apenas nos órgãos genitais, em
morbosidades que deformam a nossa capacidade de amar e em várias
formas de violência sexual que nos levam a ser tratados de forma
desumana ou a prejudicar os outros.
É preciso não enganar os jovens, levando-os a confundir os planos:
a atração cria, por um momento, a ilusão da “união”, mas, sem
amor, tal união deixa os desconhecidos tão separados como antes. A
linguagem do corpo requer uma aprendizagem paciente que permita
interpretar e educar os próprios desejos em ordem a uma entrega de
verdade. Quando se pretende entregar tudo duma vez, é provável que
não se entregue nada.
Transmitir a fé
A educação dos filhos deve estar marcada por um percurso de
transmissão da fé, que se vê dificultado pelo estilo de vida
atual, pelos horários de trabalho, pela complexidade do mundo atual,
onde muitos têm um ritmo frenético para poder sobreviver. Apesar
disso, a família deve continuar a ser lugar onde se ensina a
perceber as razões e a beleza da fé, a rezar e a servir o próximo.
Isto começa no batismo, onde – como dizia Santo Agostinho – as
mães que levam os seus filhos cooperam no parto santo. Depois tem
início o percurso de crescimento desta vida nova. A fé é dom de
Deus, recebido no batismo, e não o resultado duma ação humana; mas
os pais são instrumentos de Deus para a sua maturação e
desenvolvimento. A transmissão da fé pressupõe que os pais vivam a
experiência real de confiar em Deus, de O procurar, de precisar
d’Ele, porque só assim “cada geração contará à seguinte o
louvor das obras [de Deus] e todos proclamarão as [Suas] proezas”
(Sl 145/144, 4) e “o pai dará a conhecer aos seus filhos a
[Sua] fidelidade” (Is 38, 19). Isto requer que imploremos
a ação de Deus nos corações, aonde não podemos chegar. O grão
de mostarda, semente tão pequenina, transforma-se num grande arbusto
(Mt 13, 31-32), e, deste modo, reconhecemos a desproporção
entre a ação e o seu efeito.
As crianças precisam de símbolos, gestos, narrações. É
fundamental que os filhos vejam de maneira concreta que, para os seus
pais, a oração é realmente importante. Por isso, os momentos de
oração em família e as expressões da piedade popular podem ter
mais força evangelizadora do que todas as catequeses e todos os
discursos. Quero exprimir a minha gratidão de forma especial a todas
as mães que rezam incessantemente, como fazia Santa Mônica, pelos
filhos que se afastaram de Cristo.
Os filhos que crescem em famílias missionárias, frequentemente
tornam-se missionários, se os pais sabem viver esta tarefa duma
maneira tal que os outros os sintam vizinhos e amigos, de tal modo
que os filhos cresçam neste estilo de relação com o mundo, sem
renunciar à sua fé nem às suas convicções. Lembremo-nos que o
próprio Jesus comia e bebia com os pecadores (Mc 2, 16; Mt 11,
19), podia deter-se a conversar com a Samaritana (Jo 4, 7-26) e
receber de noite Nicodemos Jo 3, 1-21), deixava ungir os seus
pés por uma mulher prostituta (Lc 7, 36-50) e não hesitava em
tocar os doentes (Mc 1, 40-45; 7, 33). E o mesmo faziam os seus
apóstolos, que não eram pessoas desprezadoras dos outros, fechadas
em pequenos grupos de eleitos, isoladas da vida do seu povo. Enquanto
as autoridades os perseguiam, eles gozavam da simpatia de todo o povo
(At 2, 47; 4, 21.33; 5, 13).
A transmissão da fé deve ser feita no contexto da convicção mais
preciosa dos cristãos: o amor do Pai que nos sustenta e faz crescer,
manifestado no dom total de Jesus Cristo, vivo no meio de nós, que
nos torna capazes de enfrentar, unidos, todas as tempestades e todas
as etapas da vida. E, no coração de cada família, deve ressoar
também o querigma, a tempo e fora de tempo, para iluminar o caminho.
Todos deveríamos poder dizer, a partir da vivência nas nossas
famílias: Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos
nele (1Jo 4, 16). Só a partir desta experiência é que a
pastoral familiar poderá conseguir que as famílias sejam
simultaneamente igrejas domésticas e fermento evangelizador na
sociedade.
-- resumo do capítulo 7 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco
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