8 de fev. de 2011

O Sacramento da Extrema Unção - parte 3

O terceiro sentido é o olfato, do qual não há nada a ser dito, pois os odores possuem pouco poder para corromper a alma; e os odores das flores são inofensivos.

Eu agora chego ao quarto sentido, o sentido do paladar. Os pecados que entram na alma e a corrompem através desta porta, são dois grandes: glutonia e bebedeira, e todos os pecados que os seguem. Contra estes dois vícios, temos a admoestação de Nosso Senhor no Evangelho segundo São Lucas: Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida (Lc 21, 34). Outra admoestação é feita por São Paulo, na Epístola aos Romanos: Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira (Rm 13,13). Estes dois pecados são listados nas Sagradas Escrituras junto com outros crimes graves, como menciona São Paulo: Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem,  idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos,  invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus! (Gl 5, 19-21)

Mas este não é a única punição para tais pecados: ele não apenas matam a alma, como também a tornam totalmente incapaz de contemplar os assuntos divinos. Isto nos ensina o Salvador; e São Basílio em seu sermão sobre o jejum utiliza duas comparações muito interessantes.

A primeira utiliza o Sol e seus efeitos: "Como aqueles vapores que podemos ver em pântanos e lugares úmidos, cobrem os céus com nuvens e não permitem os raios do Sol nos alcançarem, da mesma forma glutonaria e bebedeira, como a fumaça, obscurecem nossa razão e privam-nos dos raios da luz divina." A outra comparação baseia-se em abelhas e fumaça: "as abelhas são expulsas de suas colméias com fumaça, assim a sabedoria de Deus é expulsa por orgias e bebedeiras; e a sabedoria é como uma abelha em nossas alma, produzindo o mel da virtude, da graça e toda consolação divina."

Além do mais, bebedeiras prejudicam a saúde do corpo. Um doutor chamado Antífanes, profissional muito capacitado, afirmou, como Clemente de Alexandria nos informa em seu livro "Pedagogus", que a causa de quase todas as doenças era muita comida ou muita bebida. Por outro lado, São Basílio nos conta ter pensado que "abstinência" era sinônimo de saúde. E, no entanto, médicos recomendam aos pacientes se abster de carne e vinho para restaurar a saúde de um corpo.

Bebedeiras e orgias não apenas afetam a saúde da alma e do corpo, mas também nossos interesses domésticos: quantos homens ricos tornaram-se pobres, quantos mestres tornaram-se servos, e todos pelas bebedeiras! Este vício também priva muitos pobres de enriquecerem; pois aqueles que não se contentam em ser moderados com a comida e bebida, facilmente gastam todos seus bens com os próprios prazeres, pois nada resta para outras necessidades. Assim, as palavras do Apóstolo se cumprem: enquanto uns têm fome, outros se fartam (1Cor 11,21).

Agora mencionarei alguns remédios. O exemplo dos santos nos serve como um remédio contra estes pecados. Omito eremitas e monges que São Jerônimo menciona em sua Carta para Eustóquio: ele conta que qualquer coisa "cozida" era considerada luxúria. Eu não vou alongar-me em Santo Ambrósio que, segundo contado por seus contemporâneos, jejuava todos os dias exceto Domingos e festas solenes. Não vou falar de Santo Agostinho, que usava apenas ervas e legumes para alimentar-se, e tinha refeições somente com estrangeiros e convidados. Mas se atentamente considerarmos como o Senhor de todas as coisas agiu em relação a si mesmo, como no deserto alimentou uma multidão com muito pouco, deveríamos, sem dúvida, termos sobriedade.

Deus, o todo-poderoso, o mais sábio, o mais generoso, que podia e desejava oferecer o melhor para seu amado povo, por quarenta anos os alimentou somente com maná e água de uma rocha. Maná era uma comida não muito diferente de farinha misturada com mel, com relata o livro do êxodo. Prestemos atenção em como Deus alimentou seu povo: sua comida, bolo; sua bebida, água; e eles continauram com boa saúde, até ele clamarem por carne.
Mosaico na Igreja da Multiplicação dos Pães, localizada
nas proximidades do local em que o milagre foi realizado,
em Tabga, ao norte do Mar da Galiléia.

Cristo Jesus, o Filho de Deus, seguiu o exemplo de seu Pai, no qual estão todos os tesouros de sabedoria e conhecimento, quando alimentou milhares do seu povo, colocou a frente deles somente alguns pães e peixes, além de água para beber. E não apenas quando nosso Salvador estava conosco, mas também após a sua Ressurreição, quando encontrou seus discípulos a beira-mar, dividiu com eles pão e peixe, de maneira muito frugal.

Quão diferentes são as maneiras de Deus das maneiras dos homens. O Rei dos Céus rejubila na simplicidade e sobriedade, é solícito para alimentar, enriquecer e animar a alma. Mas os homens preferem a concupiciência do inimigo de Deus. Assim, podemos dizer com o apóstolo, que o deus do homem carnal é sua barriga.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)



-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português. O texto em inglês está disponível aqui.

-- como o capítulo é bastante longo, e a tradução demanda tempo, publiquei esta segunda parte enquanto trabalho no restante do texto.

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