26 de out. de 2011

Deus existe verdadeiramente

Santo Anselmo,  doutor da Igreja.

Então, ó Senhor, tu que nos concedeste a razão em defesa da fé, faze com que eu conheça, até quanto me é possível, que tu existes assim como acreditamos, e que és aquilo que acreditamos. 

Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insensato disse, em seu coração: Deus não existe”? (Sl 14,1). Porém, o insensato, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e o compreende. 

Ora, aquilo que ele compreende encontra-se em sua inteligência, ainda que possa não compreender que exista realmente. Na verdade, ter a idéia de um objeto qualquer na inteligência, e compreender que existe realmente, são coisas distintas.

Um artista, por exemplo, ao imaginar a obra que vai fazer, sem dúvida, a possui em sua inteligência; porém, nada percebe da existência real da mesma, por que ainda não a executou. Quando, ao contrário, a tiver pintado, não a possuirá apenas na mente, mas também perceberá a sua existência, por que já a executou. 

O ímpio há de convir, igualmente, que existe na sua inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, porque ouve e compreende esta frase; e tudo aquilo que compreende encontra-se na inteligência.

Mas “o ser do qual não é possível pensar nada maior” não pode existir somente na inteligência. Pois, se existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria ainda maior.

Se, portanto, “o ser do qual não é possível pensar nada maior” existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia o ser do qual é possível, ao contrário, pensar algo maior: o que, certamente, é absurdo. Logo, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade.

O que acabamos de dizer é tão verdadeiro que nem é possível sequer pensar que Deus não existe. Com efeito, pode-se pensar na existência de um ser que não admite ser pensado como não existente. Ora, aquilo que não pode ser pensado como não existente, sem dúvida, é maior que aquilo que pode ser pensado como não existente.
 
Por isso, “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, se se admitisse ser pensado como não existente, ele mesmo, que é “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, não seria “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, o que é ilógico. Existe, portanto, verdadeiramente “o ser do qual não é possível pensar nada maior”; e existe de tal forma, que nem sequer é admitido pensa-lo como não existente. 

E esse ser, ó Senhor, nosso Deus, és tu. Assim, tu existes, ó Senhor, meu Deus, e de tal forma existes que nem é possível pensar-te não existente. E com razão. Se a mente humana conseguisse conceber algo maior que tu, a criatura elevar-se-ia acima do Criador e formularia um juízo acima do Criador. Coisa extremamente absurda.
 
E, enquanto tudo, excluindo a ti, pode ser pensado como não existente, tu és o único, ao contrário, que existes realmente, entre todas as coisas, e em sumo grau. Então, por que o ímpio disse em seu coração: “Não existe Deus”, quando é tão evidente, a razão humana, que tu existes com maior certeza que todas as coisas? Justamente porque ele é insensato e carente de raciocínio.

-- Do Livro Proslógio, de Santo Anselmo, bispo (século XI)

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