Santo Anselmo, monge e Bispo de Cantuária durante o século XI. |
Eis um novo motivo de perturbação; eis- me, de novo, na tristeza e no luto, eu que procuro a alegria e a felicidade! Já a minha alma pensava estar saciada e, de novo, eis que estou mergulhado na extrema miséria! Já estava prestes a saciar- me eis que me sinto mais faminto que antes. Procurava elevar- me até a luz de Deus e eis- me caído, de novo nas minhas trevas.
Na verdade não caí nelas agora porque já estava envolvido por elas. Sem dúvida, caíra nelas ainda antes que minha mãe me concebesse. Certamente fui concebido nelas e nasci
enfaixado por elas. Todos nós, sem dúvida, caímos com Adão. Nele, todos pecamos; nele perdemos aquilo que ele recebeu com tanta facilidade e, todavia, perdeu com grande desgraça, sua e nossa; justamente aquilo que agora não encontramos mais, apesar das nossas buscas.
Com efeito, quando procuramos a Deus, não encontramos e, se O encontramos, percebemos que não é aquilo que procurávamos.
Ajuda-me, bom Deus! Ó Senhor, busquei o seu rosto; permite que o encontre, ó Senhor; não afastes de mim o teu rosto. Purifica, cura,
aguça, ilumina o olho da minha alma para que possa, finalmente, contemplar-te. Que a minha alma possa reunir todas as suas forças e
que, com o ardor da sua inteligência, se dirija a ti, meu Senhor.
Quem és, ó Senhor, quem és? Como o meu coração poderá compreender-te? Não resta dúvida que és a vida, a sabedoria, a verdade, a bondade, a felicidade, a eternidade e tudo aquilo que constitui o verdadeiro bem. Mas esses atributos são numerosos e a minha inteligência não pode compreendê-los todos em um único ato de pensamento, para entender as delícias de Deus, de uma vez.
Mas como podes, ó Senhor, ser todas essas coisas? Ou elas, quiçá, são partes de ti, ou cada uma já é tudo aquilo que tu és? Mas aquilo que tem partes não é uno, e, sim, composto e distinto de si mesmo e pode fracionar-se, na realidade ou pelo ato pensamento.
Porém isso não se pode afirmar de ti, que és o ser do qual não se pode pensar nenhuma coisa melhor.
Não existem, portanto, partes em ti, ó Senhor. Tu não és múltiplo; és uno e idêntico a ti e de maneira alguma há diferença em ti. Aliás, tu és a unidade absoluta, aquela que nem o
pensamento consegue fracionar. Por isso, a vida, a sabedoria e todas as outras qualidades não são em partes, mas todas formam uma única indivisível, e cada uma delas é o que tu és e, ao mesmo tempo, o que são as outras todas.
Portanto, tu não tens partes, e a tua eternidade - pois se identifica contigo- não é parte de ti, nem da tua eternidade. Tu está inteiro por toda parte e a tua eternidade é inteira e imperecível
-- Do Livro Proslógio, de Santo Anselmo, bispo (século XI).
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