"Hosana! Bendito seja O que vem em nome do Senhor! Bendito o reino do nosso pai David que está a chegar! Hosana nas alturas!" (Mc 11, 9s.)
Houve um dia em que Jesus de Nazaré foi exaltado à vista de todo o povo. E Ele permitiu isto. Antes, num certo sentido Ele mesmo criou as condições para que isto acontecesse, entrando em Jerusalém montado num jumentinho, rodeado dos seus discípulos, precisamente quando de várias partes da Terra Santa se dirigia para lá muita gente.
Quando os fariseus disseram: "Mestre, repreende os Teus discípulos", Ele retorquiu-lhes: "Digo-vos que, se eles se calarem, gritarão as pedras" (Lc 19, 39 s.).
Houve um dia em que Jesus de Nazaré, cumprindo a vontade do Pai, consentiu que se manifestasse n'Ele a glória terrena do Messias: que se manifestasse diante de Jerusalém e pelos lábios dos seus conterrâneos. Deste modo, de fato, devia cumprir-se a Escritura, que exprime de maneira régia a glória do Messias: como exaltação do descendente de Davi.
Assim, portanto, hoje celebramos o dia da exaltação de Jesus de Nazaré diante dos olhos dos homens. Hoje também, ao entrarmos na liturgia da Semana Santa, começamos a meditar o mistério da exaltação do Messias diante de Deus.
Admirável é a liturgia do Domingo de Ramos, assim como admiráveis foram os acontecimentos do dia, ao qual ela se refere.
Sobre o entusiasmo do messiânico "Hosana" pesa uma sombra profunda. É esta a sombra da paixão que se aproxima. Quão significativas são afinal estas palavras do profeta, que se cumprem neste dia: "Não temas, ó filha de Sião. Aí vem o teu Rei sentado sobre o filho de uma jumenta!" (Jo 12, 15; cf. Zac 9, 9).
Pode, no dia do entusiasmo geral do povo pela vinda do Messias, a Filha de Sião ter motivo de temor? E no entanto, sim. Está próximo já o tempo, em que se cumprirão nos lábios de Jesus de Nazaré as palavras do Salmista: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?" (Sl 21/22, 2). Ele mesmo pronunciará estas palavras do alto da Cruz. Então, em vez do entusiasmo do povo que canta "Hosana", seremos testemunhas dos escárnios no pátio de Pilatos, no Gólgota, tal como proclama o Salmista: "Todos os que me vêem escarnecem de mim, torcem os lábios, meneiam a cabeça: 'Confiou no Senhor, que Ele o livre, que o salve, já que o ama'" (ibid.,vv. 8 s.).
A liturgia de hoje – a liturgia do Domingo de Ramos – permitindo que nos detenhamos diante da entrada triunfal de Cristo em Jerusalém, conduz-nos contemporaneamente ao término da paixão. "Trespassaram as minhas mãos e os meus pés, posso contar todos os meus ossos...". E em seguida: "Repartem entre si as minhas vestes, e lançam sortes sobre elas" (ibid.,vv. 17-19).
Como se o Salmista visse já com os próprios olhos o desenrolar dos acontecimentos da Sexta-feira Santa. Verdadeiramente naquele dia, já próximo, Cristo far-se-á obediente até à morte, e esta será a morte de Cruz (cf. Fil 2, 8).
E precisamente aqui, ao término da Paixão, tem o seu início o mistério da exaltação do Messias. Esta exaltação é diversa da "histórica" exaltação diante dos homens, o dia do festivo "Hosana". É esta a exaltação em Deus mesmo.
A esta exaltação em Deus tomaram-se imediata introdução a humilhação de Cristo e o seu despojamento definitivo mediante a Cruz. "(Cristo Jesus) que era de condição divina não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-se a Si mesmo, tomando a condição de servo..." (Fil 2, 6 s). Estas palavras da carta aos Filipenses referem-se não só à Paixão. Constituem elas, num certo sentido, a síntese de toda a vida de Cristo. Constituem o sinal de todo o mistério da Encarnação.
Destas palavras, com efeito, resulta claramente que Ele "se despojou a Si mesmo" pelo fato mesmo que, "embora sendo de natureza divina", aceitou a condição humana, a natureza humana: tomando a "condição de servo". Podendo de todas as maneiras "aproveitar a ocasião de ser igual a Deus", escolheu conscientemente tudo o que O tornava "semelhante" aos homens: "tido pelo aspecto como homem". E eis, aproximamo-nos do término deste nivelamento. Consegui-lo-emos então, quando Cristo "Se humilhar a si mesmo, feito obediente até à morte e morte de Cruz".
Mas precisamente este término significa o início da exaltação. A exaltação de Cristo está compreendida no despojamento de Cristo. A glória tem o seu início e a sua fonte na Cruz. São Paulo na carta aos Filipenses salienta-o claramente, quando faz iniciar a sucessiva frase do seu magnifico texto com a palavra "por isso". "Por isso é que Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome" (v. 9). O apóstolo vê esta exaltação à medida do mundo visível e invisível. Escreve então... "e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre nos Céus, na Terra e nos infernos, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor — para glória de Deus Pai" (vv. 9-11).
Tal é a medida da exaltação de Cristo em Deus. Daquele Cristo, que no Domingo de Ramos permitiu a sua "exaltação" diante dos olhos de Jerusalém, quando não faltavam senão poucos dias para a crucifixão. Com o presente domingo a Igreja encontra-se no limiar da Semana Santa. É esta a semana pascal. Ela contém em si o mistério do despojamento de Cristo e da sua exaltação: da exaltação mediante o despojamento. Com grande humildade, com fé e com amor vamos ao encontro deste Mistério.
-- Homília da Celebração do Domingo de Ramos, Papa Joãp Paulo II, em 4 de Abril de 1982.
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