A Morte dos Primogênitos, por Bernardino Luini. |
Com efeito, quem estava livre de culpa permanecia incólume, enquanto que com a mesma força, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, era castigado o culpado. Ao comando de Moisés todo tipo de água se converteu em sangue para o Egito, ao ponto de que também os peixes morressem por causa da densidade carnosa em que se havia transformado a água; o sangue, por outro lado, voltava a se converter em água para os hebreus, quando a tomavam. Aqui os magos reaparecem para simular, na água que tinham os hebreus, a aparência de sangue (Ex 7, 20-22).
Sucedeu o mesmo com as rãs que invadiram o Egito: sua aparição até uma proliferação de tal magnitude não pode ser avaliada como uma conseqüência da natureza, mas que o comando dado à espécie das rãs modificou a natureza conhecida destes animais. Todo o Egito foi atormentado por estes animais que invadiram inclusive as casas, enquanto a vida dos hebreus se mantinha limpa dessas coisas repugnantes (Ex 7, 25-29).
Da mesma forma, a atmosfera não permitia aos egípcios nenhuma distinção entre a noite e o dia; permaneciam em um obscuridade uniforme, enquanto para os hebreus, nas mesmas circunstâncias, nada havia mudado em relação ao habitual. E do mesmo modo com relação a todas as demais coisas: o granizo, o fogo, os mosquitos, as pústulas, as moscas, a nuvem de gafanhotos. Cada uma, segundo sua própria natureza, feriu os egípcios; os hebreus, ao contrário, sabiam do sofrimento de seus vizinhos por rumores e relatos, pois não experimentaram em si mesmos o ataque dessas calamidades.
Depois, a morte dos primogênitos fez mais clara a diferença entre o povo hebreu e o egípcio: uns se desfaziam em lamentações pela perda dos seres mais queridos (Ex 12, 29); os outros permaneciam em total tranqüilidade e segurança, porque tinham a salvação confirmada pela aspersão do sangue e por haverem marcado as portas com sangue, como senha, em cada um dos lados das ombreiras e no montante que as unia (Ex 10, 21-23).
Depois disso, enquanto os egípcios estavam abatidos pelo desastre dos primogênitos e choravam sua desgraça, solitários ou todos juntos, Moisés começou a dirigir o êxodo dos israelitas, após haver advertido que levassem consigo, como empréstimo, a riqueza dos egípcios. Quando já se passavam três dias de caminho fora do Egito – conta-nos a história – pareceu insuportável ao Egípcio que Israel não permanecesse na escravidão e, havendo mobilizado todos os seus súditos para a guerra, correu atrás do povo com sua cavalaria. Este, quando viu o arrancar da cavalaria e da infantaria, sendo inexperiente nas artes da guerra e estando pouco acostumado a estes espetáculos, deixou-se levar imediatamente pelo medo e rebelou-se contra Moisés.
A história conta também este feito paradoxal de Moisés: que sua atividade foi dupla. Com efeito, com a voz e a palavra dava ânimo aos israelitas e os exortava a ter boas esperanças, e ao mesmo tempo apresentava a Deus suas súplicas em seu coração em favor daqueles que se encontravam em tal apuro, e era instruído por meio do conselho divino sobre como poderia fugir de tal perigo (Ex 12, 31-14, 5).
Pois Deus mesmo, como conta a história, escutava sua voz silenciosa. Uma nuvem guiava o povo por virtude divina, não por sua própria natureza. Sua substância, com efeito, não era formada por alguns vapores ou exalações como resultado de que o ar se houvesse feito mais denso por causa de substância úmida e de sua compressão pelos ventos, mas era algo muito maior e que excedia a compreensão humana. Como atesta a Escritura, aquela nuvem era um prodígio tal que, quando os raios do sol brilhavam abrasadores, se convertia em uma proteção para o povo, fazendo sombra para os que estavam em baixo e umedecendo o calor excessivo do ar com uma água fina; durante a noite se transformava em fogo, iluminando os israelitas com o resplendor de sua própria luz desde o entardecer até o nascimento do dia (Ex 13, 21-23).
-- Do texto A Vida de Moisés, de São Gregório de Nissa (século IV)
Nenhum comentário:
Postar um comentário