Naquela divina mistagogia, Moisés havia passado em conversação com Deus um tempo não pequeno e, sob as trevas, havia participado daquela vida eterna durante quarenta dias com suas noites (Ex 24, 18), e aestado fora de sua própria natureza. Durante aquele tempo, com efeito, não necessitou de alimento para seu corpo.
Então, como um menino que se encontra longe da vista de seu professor, o povo se deixou levar pela desordem de seus impulsos desenfreados e, reunindo-se em torno de Aarão, o forçaram a ele, que era o sacerdote, a que os conduzisse à idolatria (Ex 32, 1-9). Tendo feito um ídolo de ouro, o ídolo era um bezerro, se entregaram à impiedade.
O Bezerro de Ouro, de Nicolas Poussin |
Quando Moisés volta a eles, quebra as tábuas que traz em nome de Deus, para que eles, privados da graça que Deus lhes havia preparado, recebam um castigo digno de seu pecado (Ex 32, 19). Faz então com que seja expiado o sacrilégio diante dos levitas com o sangue do povo.
Havendo aplacado a divindade com seu zelo contra os estrangeiros e tendo destruído o ídolo, depois de outro período de quarenta dias, traz novamente as tábuas, escritas pelo poder divino, porem cuja matéria havia sido preparada pelas mãos de Moisés (Ex 32, 25-29). Ele as traz, depois de haver saído outra vez dos limites da natureza pelo mesmo número de dias, levando um modo de vida diferente daquele que nos é conhecido, já que não dava a seu próprio corpo nada do que necessitava a natureza para sustentar-se por meio de alimento (Ex 34, 1-28).
Assim lhes construiu a tenda e lhes transmitiu as leis, estabelecendo o sacerdócio conforme o que lhe havia sido ensinado por Deus. Depois fez que se realizassem os trabalhos materiais conforme a instrução divina: a tenda, os vestíbulos, todas as coisas interiores, o altar de incenso, o altar dos holocaustos, o lampadário, os tapetes, as cortinas, o propiciatório no interior do santuário, os ornamentos sacerdotais, os perfumes, os diversos sacrifícios, as purificações, os ritos de ação de graças, de impetração contra os males, de expiação dos pecados; tendo ordenado todas estas coisas da maneira devida, suscita contra si a inveja de seus íntimos, essa enfermidade tão familiar à natureza dos homens.
De fato, tanto Aarão, honrado com a dignidade do sacerdócio, como também sua irmã Maria, movida por uma inveja especificamente feminina contra a honra que Deus havia dado a ele, disseram coisas que moveram Deus a castigar este pecado. Nesta ocasião, Moisés se mostrou digno de admiração por sua mansidão, pois enquanto Deus queria castigar a ilógica inveja, ele antepunha a natureza à cólera e intercedia perante Deus por sua irmã (Nm 12, 1-13).
A plebe se entregou novamente à desordem. O começo do pecado foi a desmedida nos prazeres do ventre. Não lhes bastava viver saudável e agradavelmente do alimento que lhes vinha de cima, mas o desejo de iguarias e a ânsia de comer carne os fizeram preferir a perpétua escravidão do Egito aos bens que já tinham. Moisés falou com Deus a respeito da paixão que se havia abatido sobre eles, e este, ao lhes conceder alcançar precisamente aquilo que desejavam, os ensinou que não era conveniente se comportar assim.
De fato, de improviso fez cair no acampamento uma multidão de pássaros que voavam em grande número a rés do solo, com o que facilmente caçados saciou o desejo dos que ansiavam por carne fresca (Nm 11, 4-6 e 31-32). Para uma grande parte deles, o excesso de comida transformou o equilíbrio dos humores de seus corpos em vômitos corrompidos, e a saciedade se converteu em enfermidade e morte. Seu exemplo foi suficiente para levar a temperança a eles mesmos e aos que os assistiam (Nm 11, 33-34).
Então Moisés enviou exploradores àquela região que, segundo a promessa divina, esperavam habitar. Como nem todos contaram a verdade, mas alguns deram notícias falsas e más, o povo se encheu de ira contra Moisés mais uma vez. Aqueles que desconfiaram da ajuda divina, Deus castigou não lhes deixando ver a terra que lhes havia prometido (Nm 13, 1-14, 38).
Ao prosseguir sua marcha através do deserto, faltou novamente a água e, juntamente com ela, lhes faltou a lembrança do poder de Deus. Na verdade, o prodígio da rocha que já havia tido lugar, não lhes foi suficiente para crer que nada do necessário lhes faltaria agora, mas, afastando-se das mais saudáveis esperanças, propalaram ultrajes contra Deus e contra Moisés até o ponto em que mesmo Moisés pareceu se deixar levar pela desconfiança do povo. Não obstante, novamente realiza o milagre transformando em água aquela rocha bruta (Nm 20, 2-11).
Mais uma vez, o prazer vulgar da comida despertou neles o desejo de fartar-se e, embora ainda não lhes faltasse nenhuma das coisas necessárias para a vida, sonharam com a saciedade do Egito. Os jovens rebeldes foram corrigidos com castigos mais severos, ao lhes inocular veneno as serpentes mordendo-os em um ataque mortal (Nm 21, 4-6). Posto que um após outro sucumbiam à serpente, o Legislador, movido pelo conselho divino, fez uma figura de serpente em bronze e mandou colocá-la no alto para que estivesse à vista de todo o acampamento. E assim deteve o dano que estes animais faziam ao povo, e pôs fim a sua destruição. Com efeito, quem olhava para a imagem da serpente feita de bronze não tinha porque temer nenhuma mordida da serpente verdadeira, porque o olhar debilitava o veneno com uma misteriosa resistência (Ex 21, 7-9).
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