22 de jun. de 2012

São Tomás More


De uma carta de São Tomás More, escrita no cárcere a sua filha Margarida

(The English Works of Sir Thomas More, London, 1557, p.1454)
(Sec. XVI)

Ponho-me inteiramente nas mãos de Deus com toda a esperança e confiança.
Embora eu tenha plena consciência, minha Margarida, de que os pecados da minha vida passada mereceram justamente que Deus me abandone, nunca deixarei de confiar na sua imensa bondade e de esperar com toda a minha alma. Até agora a sua santíssima graça deu-me forças para tudo desprezar do íntimo do coração – riquezas, rendimentos e a própria vida – antes que prestar juramento contra a voz da minha consciência. Foi Deus que, benignamente, levou o rei a privar-me até ao presente, só da liberdade. Com isto, em vez de me fazer mal, sua Majestade concedeu-me para proveito espiritual da minha alma, assim o espero, um benefício maior do que com todas aquelas honras e bens que antes me dispensava. E espero confiadamente que a mesma graça divina há-de continuar a favorecer-me, ou acalmando o ânimo do rei para que não me imponha tormento mais grave, ou dando-me a força necessária para suportar tudo, seja o que for, com paciência, fortaleza e boa vontade.
O meu sofrimento, unido aos méritos da dolorosíssima paixão do Senhor – infinitamente acima de tudo quanto eu venha a padecer – aliviará as penas que mereço no Purgatório e, graças à bondade divina, acrescentará também um pouco a minha recompensa no Céu.
Não quero desconfiar, minha Margarida, da bondade de Deus, por mais débil e fraco que eu me sinta. Mais ainda: se, no meio do terror e da consternação, eu me visse em perigo de ceder, lembrar-me-ia então de São Pedro, que, à primeira rajada de vento, começou a afundar-se, por causa da sua pouca fé, e procuraria fazer o que ele fez: gritar a Cristo: Salvai-me, Senhor. Espero que Ele estenderá a sua mão para me segurar e não me deixará afogar.
Mas se Deus permitisse que a minha semelhança com Pedro fosse mais longe, a ponto de eu me precipitar e cair totalmente, jurando e abjurando (que Deus, por sua misericórdia, afaste para bem longe de mim tal calamidade e que dessa queda me venha antes castigo do que benefício), ainda em tal caso, espero que o Senhor me dirigiria, tal como a Pedro, um olhar cheio de misericórdia e me levantaria de novo para eu voltar a defender a verdade, para descarregar a consciência e suportar corajosamente o castigo e a vergonha da minha anterior negação.
Finalmente, minha Margarida, estou inteiramente convencido de que, sem culpa minha, Deus não me abandonará. Por isso com toda a esperança e confiança me entregarei totalmente nas mãos de Deus. Se, por causa dos meus pecados, Deus permitisse a minha queda, ao menos brilharia em mim a sua justiça. Espero, porém, e espero com inteira certeza, que a sua clementíssima bondade guardará fielmente a minha alma e fará que em mim brilhe mais a sua misericórdia do que a sua justiça.
Está, pois, tranquila, minha filha, e não te preocupes comigo, seja o que for que me aconteça neste mundo. Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça é, em verdade, muito bom.

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