2 de jun. de 2012

São Carlos Lwanga e companheiros


São Carlos Lwanga morava na região do atual país de Uganda, que era governado pelo Rei Mwanga II. Devido às suas qualidades, foi nomeado chefe dos pajens do palácio real quando ainda era bastante jovem. Sua presença e liderança logo foram reconhecidas pelos demais membros da corte. Seu superior no palácio, Joseph Mukasa, lhe confiou várias tarefas, inclusive a de coordenar a construção de um lago artificial, pedido explícito do Rei. 

Este lago era uma obsessão do Rei, que já obrigara todos os servidores reais a trabalharem na sua construção, basicamente escavando a terra e carregando sacos de areia. Um dos servidores do palácio chamava-se Senkoole, era o Guardador da Chama Sagrada e Chefe dos Executores. Por isso, considerava-se superior a Carlos Lwanga e recusou-se a trabalhar sob suas ordens. Após tentar amigavelmente convencê-lo a colaborar, Carlso Lwanga levou o assunto ao conselho real, que decidiu por punir Senkoole não apenas com o trabalho mas também teve que alimentar os funcionários mais humildes. Na ocasião, Senkoole prometeu vingança.

Outro aspecto importante é que Carlos Lwanga foi preparado pela família para tornar-se um sacerdote do Deus Kabaka. De acordo com a cultura do povo, apenas homens virgens poderiam ser sacerdotes. Seu avó Semaganda não foi escolhido sacerdote exatamente porque não soube manter a castidade. Qualquer coisa contrária à virtude deixava Lwanga muito furioso e infeliz. Seus amigos logo tornaram-se bastante cuidadosos quanto ao que falavam com ele, para não aborrecê-lo.

Por esta época chegaram à cidade alguns missionários. Ao conhecê-los, soube que também guardavam a castidade, mas não consideravam um fardo. Impressionado, procurou Robert Mukasa, líder da comunidade católica e também funcionário no Palácio Real. Mukasa foi quem lhe ensinou os preceitos da fé e o convenceu a abandonar os deuses e ritos tribais. Em 1885, o rei ordenou matar missionários anglicanos, incluindo o Bispo James Hannington. Mukasa tentou convencer o rei de seu erro e também foi morto por decapitação. 

Neste mesmo dia, Carlos Lwanga foi batizado e assumiu a liderança dos cristãos, católicos e anglicanos, pois antes de ser batizado já havia dado exemplos de fé. Na Quaresma de 1884 acidentou-se com um arma. Sabendo que os curandeiros africanos lhe tratariam com um misto de remédios tradicionais e  invocações aos seus deuses e, também, que os missionários católicos encontravam-se ausentes, procurou o Reverendo Anglicano Ashe. Enquanto tratava a ferida, o Reverendo resolveu testá-lo. Travou-se então um pequeno diálogo:

Ashe: É verdade que vocês católicos jejuam?
Lwanga: Sim, é verdade.
Ashe, em tom debochado: Jejuar é coisa dos tempos passados. como vocês Baganda (NT: tribo de Lwanga) dizem, dos tempos do rei Kudiidi. Quer dizer que hoje você ainda não se alimentou?
Lwanga: Caro reverendo, eu lhe procurei por causa da ferida, não para discutir assuntos de religião. Mas já que o senhor começou, deixe-lhe fazer algumas perguntas.
Ashe: Claro, pergunte.
Lwanga: Você e eu, o que temos em comum?
Ashe: Somos cristãos.
Lwanga: O que é um cristão?
Ashe: É um seguidor de Cristo.
Lwanga: O que Cristo fez no deserto?
Ashe: Ele jejuou por 40 dias e 40 noites.
Lwanga: Se somos cristãos, somos seguidores de Cristo. Ele, antes de começar a sua missão jejuou por 40 dias  e 40 noites. Pensas que nós, católicos, fazemos errado ao imitar Cristo? Que pensas disto?

Ashe calou-se. Depois de algum tempo, mudou de assunto e apenas tratou a ferida. Após, avisou aos demais missionários que cuidassem para não serem desmoralizados em público por Lwanga.

Dias após o assassinato de Mukasa e o seu batizado, o Rei Mwanga chamou-lhe e, em tom fraternal, lhe disse: "Meu amigo, parece que nos últimos dias tens me evitado e estas se aproximando de mim com meu medo. Pensas que desejo matá-lo como tive que fazer com Mukasa? Eu não lhe matei não porque rezava para outro deus, mas porque me insultou opondo-se à ordem de matar os ingleses e ainda lhes informou disso, permitindo que tentassem fugir. Sei que não fazes nada disso; portanto não há o que temer. Eu não proibo ninguém de praticar a religião. Apenas reze aqui no Palácio, não procure os homens brancos. Além disso, por que ir lá? Não ganhas presentes, não ganhas nada indo lá. Mas se insistires em visitá-los, deves entender que estarás me traindo, do mesmo modo que Mukasa. Então serei obrigado a expulsar os estrangeiros e você junto com eles. Os ingleses irão te tratar como escravo, terás uma vida dura e te arrependerás de desobedecer minhas ordens.

Lwanga respondeu-lhe: ""Caro rei, acusas os homens brancos de desejarem tomar-lhe o reino e, a nós, de ajudá-los nesta tarefa. Saibas que a religião que ensinam diz para sermos leais ao nosso rei. Até hoje tens me confiado várias tarefas. Declaro, então, que ainda estou pronto a morrer ao seu serviço."

O rei também organizava orgias homossexuais e convidava os servidores do palácio a participarem, especialmente os jovens pajens que Lwanga comandava e catequisava. Lwanga, além de não comparecer, protegia os demais para que se safassem dos desejos do rei. E apesar das proibições e ameaças, sempre buscava uma maneira de participar das celebrações e catequeses organizadas pelos missionários católicos.

Certo dia o rei, furioso, ordenou que todos os pajens fossem reunidos e trazidos a sua presença. Lwanga pessoalmente certificou-se que todos abandonassem as suas tarefas imediatamente. Uma vez os pajens reunidos, Lwanga fez-se anunciar ao rei e entrou no salão real à frente do grupo. No salão havia muitos membros do exército e carrascos que vieram presenciar a cena. Como de hábito prostaram-se. 

O Rei perguntou em alta voz: "Todos os pajens estão aqui reunidos?". Lwanga confirmou. O rei então disse: "Todos os que seguem a religião dos brancos devem se postar atrás do grupo. Os que professam a minha religião podem permanecer próximos a mim. E se algum cristão tentar se esconder, saiba que perderá a cabeça imediatamente.". Carlos Lwanga levantou-se e falou: "Todos os homens de boa consciência não podem renegar seu Deus. Sempre nos dizes para seguir suas ordens e nunca nos omitimos, mesmo quando enfrentando os inimigos. Hoje, novamente, iremos seguir o seu comando." Então, pegando pela mão um dos pajens chamado Kizito, posicionou-se calmamente ao fundo, no que foi seguido pelos demais. Todos se alegram pois assim confessavam sua fé. Nisto o rei ordenou que os amarrassem e matassem.

Muitos foram logo levados e enforcados em árvores, outros, à prisão. Certo dia, Lwanga disse ao chefe da guarda: "Bem sabemos que vais nos matar, porque temos que esperar tanto?" No dia marcado, foram levados para fora da prisão, amarrados uns aos outros. Seguiu-se como uma procissão, com os soldados e carrascos brandindo suas armas, tocando tambores e cantando. 

Apareceu então Senkoole, o Guardador da Chama Sagrada, que havia prometido vingança, e apontando para Carlos Lwanga disse: "Você eu quero para meu proveito pessoal, vou sacrificá-lo aos deuses, serás uma oferenda de primeira." Sabendo que Senkoole, por motivos religiosos, não podia permanecer no mesmo local onde outros seriam mortos,  ao ser separado dos demais, os exortou: "Meus amigos, nos encontraremos logo no Paraiso, eu ficarei um pouco mais, vocês chegarão primeiro. Mantenham a coragem e perseverem até o final." Um a um dos cristãos era queimado com uma tocha, acessa diretamente na Chama Sagrada, enquanto ouviam a sentença: "A tua desobediência é responsável por tua morte e não o deus Kabaka".

Senkoole levou Carlos Lwanga para um lugar mais próximo de onde estavam os demais cristãos, para que estes pudessem assistir melhor. A pira foi construída embaixo de uma árvore, como se fosse uma cerca. Lwanga, amarrado, seria descido para próximo do fogo. Pediu, então, que o desamarrassem para que pudesse arranjar melhor a pira. Assim, o mártir pode preparar a sua cama de morte.

Novamente amarrado, desceram-no até perto do fogo. Senkoole controlava as chamas para que não fossem muito altas e, assim, queimassem Lwanga mais lentamente. Os pés eram queimados, mas o restante do corpo permanecia bem. Senkoole lhe falou: "Estou queimando o mais lentamente possível, para que teu Deus tenha tempo de vir salvá-lo". Lwanga respondeu: "Pobre homem bobo! Não entendes o que estás a dizer. Estás me queimando, mas é como se estivésseis colocando água sobre minha cabeça. Eu estou  morrendo por amor a Deus, mas fique atento pois se não te arrependeres, é tu que queimarás pela eternidade." Após, Lwanga ficou orando em silêncio. Quando finalmente percebeu que se último suspiro estava próximo, gritou: "Meu Deus!". Morreu na manhã do Dia da Ascenção do Senhor, festa na qual esperava ansiosamente comparecer e já estava a preparar adequadamente.

No total, doze católicos e nove anglicanos foram queimados. Um deles, Mgaba Tuzinde, estava na multdão assistindo ao martírio. Reconhecido, foi jogado ao fogo na mesma hora. O martírio se deu em 3 de Junho de 1886, em Uganda. Um ano após sua morte, o número de catecumenos já havia se multiplicado por quatro. 

O grupo foi beatifciado em 1920 pelo Papa Bento XV e canonizado em 16 de Outubro de 1964, pelo Papa Paulo VI. Os anglicanos, obviamente, não poderiam ser canonizados, mas seus nomes foram honrados em virtude do seu sacrificio. Como de hábito, São Carlos Lwanga e companheiros são lembrados no dia do seu martírio, 3 de Junho. 

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