26 de ago. de 2013

Cântico de Ana: A alegria e a esperança dos humildes encontra-se em Deus

1. Ana pronunciou esta prece: Exulta o meu coração no Senhor, nele se eleva a minha força; a minha boca desafia os meus adversários, porque me alegro na vossa salvação.
2. Ninguém é santo como o Senhor. Não existe outro Deus, além de vós, nem rochedo semelhante ao nosso Deus.
3. Não multipliqueis palavras orgulhosas, não saia da vossa boca linguagem arrogante, porque o Senhor é um Deus que tudo sabe; por ele são pesadas as ações.
4. Quebra-se o arco dos fortes, enquanto os fracos se revestem de vigor.
5. Os abastados se assalariam para ganharem o que comer, enquanto os famintos são saciados. Sete vezes dá à luz a estéril, enquanto a mãe de numerosos filhos enlanguesce.
6. O Senhor dá a morte e a vida, faz descer à habitação dos mortos e de lá voltar.
7. O Senhor empobrece e enriquece; humilha e exalta.
8. Levanta do pó o mendigo, do esterco retira o indigente, para fazê-los sentar-se entre os nobres e outorgar-lhes um trono de honra, porque do Senhor são as colunas da terra. Sobre elas estabeleceu o mundo.
9. Dirige os passos dos seus fiéis, enquanto os ímpios perecem nas trevas; porque homem algum vence pela força.
10. Ó Senhor, sejam esmagados os vossos adversários! Dos céus troveje o Altíssimo contra eles, o Senhor julgue os últimos confins da terra! Dará força ao seu rei, e engrandecerá o poder do seu ungido.

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Uma voz feminina orienta-nos hoje na oração de louvor ao Senhor da vida. De fato, na narração do Primeiro Livro de Samuel, é Ana quem entoa o hino que acabamos de proclamar, depois de ter oferecido ao Senhor o seu menino, o pequeno Samuel. Ele será profeta em Israel e assinalará com a sua ação a passagem do povo hebraico para uma nova  forma  de  governo,  a  monárquica, que terá como protagonistas o desventurado rei Saul e o glorioso rei David.  Ana  deixará  atrás  de  si  uma  história de sofrimentos porque, como diz a narração, o Senhor "tinha-a feito estéril" (1 Sm 1, 5).

No antigo Israel a mulher estéril era considerada como um ramo seco, uma presença morta, também porque impedia que o marido tivesse uma continuidade na recordação das gerações seguintes, um fato importante numa visão ainda incerta e obscura do além.

Mas Ana tinha posto a sua confiança no Deus da vida e rezara da seguinte forma:  "Senhor dos exércitos, se Vos dignardes olhar para a aflição da Vossa serva e Vos lembrardes de mim; se não Vos esquecerdes da Vossa escrava e lhe derdes um filho varão, eu o consagrarei ao Senhor durante todos os dias da minha vida" (v. 11). E Deus ouviu o grito desta mulher humilhada, dando-lhe precisamente Samuel:  o ramo seco produziu um rebento vivo (cf. Is 11, 1); o que era impossível aos olhos humanos tornou-se  uma  realidade  palpitante  naquela criança que iria ser consagrada ao Senhor.

O cântico de agradecimento, que veio aos lábios desta mãe, será retomado e reelaborado por outra mãe, Maria, que, permanecendo virgem, irá gerar por obra do Espírito de Deus. Com efeito, o Magnificat da mãe de Jesus deixa entrever o cântico de Ana que, precisamente por isso, é chamado "o Magnificat do Antigo Testamento".

Na realidade, os estudiosos fazem notar que o autor sagrado pôs nos lábios de Ana uma espécie de salmo real, cheio de citações ou alusões a outros Salmos.

Sobressai em primeiro plano a imagem do rei hebraico, invadido por adversários mais poderosos, mas que no final é salvo e triunfa porque, ao seu lado, o Senhor quebra o arco dos fortes (cf. 1 Sam 2, 4). É significativo o final do cântico quando, numa solene epifania, entra em cena o Senhor:  "Tremerão diante do Senhor os seus inimigos! Trovejará do céu sobre eles. O Senhor julga os últimos confins da terra! Ele dará o império ao Seu Rei, e exaltará o poder do Seu ungido" (v. 10). Em hebraico, a última palavra é precisamente "Messias", isto é "ungido", que permite transformar esta oração real em cântico de esperança messiânica.

Desejaríamos realçar dois temas neste hino de agradecimento que exprime os sentimentos de Ana. O primeiro dominará também o Magnificat de Maria e é a transformação do destino realizada por Deus. Os fortes são humilhados, os fracos "revestidos de vigor"; os saciados vão desesperadamente à procura de alimento e os famintos sentam-se para um banquete sumtuoso; o pobre é arrancado da poeira e recebe "um trono de glória" (cf. vv. 4.8).

É fácil sentir nesta antiga oração a orientação das sete ações que Maria vê realizar na história por Deus Salvador:  "Exerceu a força com o Seu braço e aniquilou os que se elevavam no seu próprio conceito. Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e aos ricos despediu-os com as mãos vazias. Tomou a Seu cuidado Israel, Seu servo" (Lc1, 51-54).

É uma profissão de fé pronunciada pelas duas mães em relação ao Senhor da história, que se manifesta em defesa dos últimos, dos pobres e infelizes, dos ofendidos e dos humilhados.

Outro tema que desejamos esclarecer relaciona-se ainda mais com a figura de Ana:  "A estéril foi mãe de sete filhos e a mulher que tinha muitos filhos deixou de conceber" (1 Sm 2, 5). O Senhor que inverte os destinos é também aquele que está na origem da vida e da morte. O seio estéril de Ana era semelhante a um túmulo; e não obstante, Deus fez germinar nele a vida, porque ele "tem nas Suas mãos a alma de todo o ser vivente, e o sopro de vida de todos os homens" (Jó 12, 10). Em continuidade, canta-se logo a seguir:  "O Senhor é que dá a morte e a vida, leva à habitação dos mortos e tira dela" (1 Sm 2, 6).

A esperança já não diz respeito apenas à vida do menino que nasce, mas também à que Deus pode fazer desabrochar depois da morte. Desta forma, abre-se um horizonte quase "pascal" de ressurreição. Isaías cantará:  "Os vossos mortos reviverão, os seus cadáveres ressuscitarão, despertarão jubilosos os que jazem no sepulcro! Porque o vosso orvalho é um orvalho de luz, e a terra das sombras dará à luz" (Is 26, 19).


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