Queridos irmãos e irmãs,
"O homem..., no centro deste empreendimento, revela-se um gigante. Revela-se divino, não em si, mas no seu princípio e no seu destino. Por conseguinte, seja honrado o homem, a sua dignidade, o seu espírito, a sua vida". Com estas palavras, em Julho de 1969 Paulo VI confiava aos astronautas americanos que partiam para a lua o texto do Salmo 8, que agora aqui se ouviu, para que entrasse nos espaços cósmicos.
De fato, este hino é uma celebração do homem, uma criatura que, se for comparada com a grandeza do universo, é insignificante, é uma "cana" frágil, para usar uma imagem do grande filósofo Blaise Pascal (Pensamentos, n. 264). Contudo, é uma "cana pensante" que pode compreender a criação, porque é senhor da criação, "coroado" pelo próprio Deus (cf. Sl 8, 6). Como acontece com frequência nos hinos que exaltam o Criador, o Salmo 8 começa e acaba com uma solene antífona dirigida ao Senhor, cuja magnificência está espalhada no universo: "Ó Senhor, nosso Deus, como é grande o vosso nome em toda a terra" (vv. 2.10).
O verdadeiro e próprio conteúdo do cântico deixa imaginar uma atmosfera noturna, com a lua e as estrelas que se acendem no céu. A primeira estrofe do hino (cf. vv. 2-5) é dominada por um confronto entre Deus, o homem e o universo. Na cena sobressai antes de tudo o Senhor, cuja glória é cantada pelos céus, mas também pelos lábios da humanidade. O louvor que surge espontâneo nos lábios das crianças silencia e confunde as conversas arrogantes dos que negam Deus (cf. v. 3). Eles são definidos como "insensatos, corruptos e abomináveis", porque se iludem que podem desafiar e opor-se ao Criador com a sua razão e acção (cf. Sl 13, 1).
Logo a seguir, eis que se abre um sugestivo cenário de uma noite estrelada. Face a este horizonte infinito surge a eterna pergunta: "Que é o homem?" (Sl 8, 5). A primeira e imediata resposta fala de nulidade, quer em relação à grandeza dos céus, quer sobretudo a respeito da majestade do Criador. Com efeito, o céu, diz o Salmista, é "teu", a lua e as estrelas "por ti foram fixadas" e são "obra dos teus dedos" (cf. v. 4). É bonita esta última expressão, mais do que a mais comum "obra das tuas mãos" (v. 7): Deus criou estas realidades colossais com a facilidade e o esmero de um bordado ou um trabalho de cinzel, com o toque leve de quem faz deslizar os seus dedos pelas cordas da arpa.
Por conseguinte, a primeira reação é de assombro: como pode Deus "recordar-se" e "ocupar-se" desta criatura tão frágil e delicada (cf. v. 5)? Mas eis a grande surpresa: ao homem, criatura frágil, Deus concedeu uma dignidade maravilhosa: fez com que ele fosse pouco inferior aos anjos ou, como também pode ser traduzido o original hebraico, pouco inferior a um Deus (cf. v. 6).
Entramos, desta forma, na segunda estrofe do Salmo (cf. vv. 6-10). O homem é visto como o lugar-tenente real do próprio Criador. De fato, Deus "coroou-o" como um vice-rei, destinando-o a um senhorio universal: "Tudo submetestes debaixo dos seus pés" e o adjetivo "tudo" ressoa enquanto desfilam as várias criaturas (cf. vv. 7-9). Mas este domínio não é conquistado pela capacidade do homem, realidade frágil e limitada, nem é obtido com uma vitória sobre Deus, como queria o mito grego de Prometeu. É um domínio proporcionado por Deus: às mãos frágeis e por vezes egoístas do homem está confiado todo o horizonte das criaturas, para que ele conserve a sua harmonia e beleza, o use mas não abuse, faça emergir os seus segredos e desenvolva as suas potencialidades.
Como declara a Constituição pastoral Gaudium et spes do Concílio Vaticano II, "o homem foi criado à "imagem de Deus", capaz de reconhecer e amar o seu Criador, que o constitui senhor de todas as criaturas terrenas, para as governar e usar, glorificando a Deus" (n. 12).
Infelizmente, o governo do homem, afirmado no Salmo 8, pode ser mal compreendido e deformado pelo homem egoísta, que muitas vezes se revelou mais um tirano insensato do que um governador sábio e inteligente. O Livro da Sabedoria adverte-nos contra os desvios deste género, quando esclarece que Deus formou "o homem... para dominar sobre as criaturas..., e governar o mundo com santidade e justiça" (9, 2-3). Mesmo num contexto diferente, também Jó faz apelo ao nosso Salmo para recordar sobretudo a debilidade humana, que não mereceria tanta atenção por parte de Deus: "Que é o homem, para que faças caso dele e ponhas nele a tua atenção, para que o visites todas as manhãs e o proves a cada instante?" (7, 17-18). A história documenta o mal que a liberdade humana semeia no mundo com as devastações ambientais e com as injustiças sociais mais clamorosas.
Ao contrário dos seres humanos, que humilham os próprios semelhantes e a criação, Cristo apresenta-se como o homem perfeito, "coroado de glória e de honra... em virtude de ter padecido a morte, a fim de que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos" (Heb 2, 9). Ele reina sobre o universo com aquele domínio de paz e de amor que prepara o novo mundo, os novos céus e a nova terra (cf. 2 Pd 3, 13), Aliás, a sua autoridade real como sugere o autor da Carta aos Hebreus aplicando-lhe o Salmo 8 é exercida através da entrega suprema de si na morte "em benefício de todos".
Cristo não é um soberano que se deixa servir, mas que serve e se consagra ao próximo: "Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos" (Mc 10, 45). Desta forma, Ele recapitula em si "todas as coisas que há no Céu e na Terra"(Ef 1, 10). Nesta luz cristológica, o Salmo 8 revela toda a força da sua mensagem e da sua esperança, convidando-nos a exercer a nossa soberania sobre a criação, não dominando-a, mas amando-a.
-- São João Paulo II, na audiência de 26 de Junho de 2002
Nenhum comentário:
Postar um comentário