“Se junto de Deus, meu Pai, não houvesse muitas moradas", dizia o Senhor, "eu teria ido muito antes preparar o lugar para os santos. Mas como sei que há muitas esperando a chegada dos que amam a Deus, não é por este motivo” - disse – “que vou ausentar-me, mas porque vosso regresso pelo caminho outrora preparado estava inacessível e precisava ser aplainado".
De fato, o céu para os homens era absolutamente inatingível e a carne nunca penetrara antes no puro e santíssimo lugar dos anjos. Cristo foi o primeiro que inaugurou para nós aquela via de acesso. E ensinou aos homens a maneira de chegar ao céu, oferecendo-se a Deus Pai como primícia dos mortos e dos que jazem na terra e manifestando-se como primeiro homem aos que vivem no céu.
Por isso os anjos, ignorando o grande e augusto mistério sobre a chegada corporal, admiravam atônitos o homem que subia, e perturbados com aquele novo e estranho espetáculo, estavam para perguntar: Quem é esse que vem de Edom? (Is 63,1), isto é, da terra? Mas o Espírito não permitiu que aquela celeste multidão ficasse a ignorar a admirável sabedoria de Deus Pai, mas ordenou que as portas celestes se abrissem ao Rei e Senhor do universo, exclamando: Levantai, ó príncipes, as vossas portas! Alçai-vos, portas eternas, e entrará o Rei da glória (Sl 23,7).
Inaugurou, pois, para nós, o Senhor Jesus um caminho novo e vivo, como diz São Paulo: Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas e sim no próprio céu, a fim decomparecer, agora, diante da face de Deus, em nosso favor (Hb 9,24). Pois Cristo não subiu para apresentar-se diante do Pai, já que ele estava, está e estará sempre no Pai e diante dos olhos daquele que o gerou. Ele é sempre o objeto de sua complacência. Mas o Verbo subiu, agora, como homem, deixando-se ver de uma maneira nova e insólita, já que antes não possuía condição humana. E isto por nós e para nós, a fim de ouvir, na plenitude da realidade, feito semelhante aos homens, em seu poder de Filho e como homem: Senta-te à minha direita (Sl 109,1), transmitindo a todo o gênero humano, adotado nele, a glória da filiação.
De fato é um de entre nós, enquanto apareceu como homem na presença de Deus Pai, embora esteja acima de todas as criaturas e seja consubstancial àquele que o gerou, sendo o seu esplendor, Deus de Deus e luz da verdadeira luz. Apareceu assim, por nós, diante de Deus Pai, para reapresentar-nos a nós que tínhamos sido afastados de diante de sua face, por causa do antigo pecado. Sentou-se como Filho para que também nós nos sentássemos como filhos e por ele fôssemos chamados filhos de Deus.
Por isso é que São Paulo, que afirma ter em si a Cristo que fala por seu intermédio, ensina: o que aconteceu a Cristo por título especial se comunica à natureza humana. E escreve: Com ele nos ressuscitou e nosfez sentar no céu, em Cristo Jesus (Ef 2,6). Compete a Cristo propriamente e somente a ele, segundo sua natureza de Filho, a dignidade e a glória de se sentar ao lado de Deus. Mas, porque o que se senta é semelhante a nós, dado que apareceu como homem, e ao mesmo tempo é reconhecido como Deus de Deus, transmite-nos a nós de certo modo a graça dessa dignidade.
* Leitura para a Solenidade da Ascensão do Senhor
-- Do comentário ao Evangelho de São João, por São Cirilo de Alexandria, bispo (século IV)
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