10 de jan. de 2011

O Sacramento da Ordem

Os dois sacramentos que seguem, requerem uma breve explicação, não são para todos cristãos, um se relaciona aos clérigos, e o outro (matrimônio) aos leigos. Não abordaremos todos pontos que podem ser mencionados sobre as Sagradas Ordens, mas somente aqueles necessários para uma vida justa e uma morte feliz.

As ordens são sete em número, quatro menores e três maiores; a maior delas, chamada sacerdócio, é dividida em duas: uma para Bispos, outra para padres. Antes de qualquer ordenação, a tonsura (NT) é recebida, sendo a porta para as demais, isto propriamente torna homens em clérigos. E desde que é requerida para clérigos, para que possam ter uma boa e religiosa vida, é com grande razão requerida especialmente para o presbiterato e episcopado; por isso estou satisfeito em considerar os deveres relacionados a clérigos.


Tonsura, o corte de cabelo
que marcava a entrada no
estado clerical.

Dois pontos paracem pedir uma explicação; primeiro, a cerimônia pela qual clérigos são feitos; segundo, o ofício que eles devem realizar na igreja. A cerimônia, como descrita pela liturgia, consiste em primeiro cortar o cabelo de sua cabeça; este rito significa abandonar as vaidades e supérfluos desejos, como pensamentos por bens materiais, riquezas, honras, prazeres e outros de mesma natureza; e, ao mesmo tempo, aqueles cujo cabelo é cortado, devem repetir o quinto verso do salmo XV: Senhor, vós sois a minha parte de herança e meu cálice; vós tendes nas mãos o meu destino (Sl 15, 5). Então o Bispo ordena que uma sobrepeliz branca seja trazida, a qual ele coloca sobre o clérigo, lembrando as palavras do apóstolo aos Efésios: revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4,24). Não há ofício específico para clérigos, mas é costume servir ao padre nas missas particulares.

Consideremos o grau de perfeição exigido de um clérigo; e se tanto é pedido de um deles, quanto mais de um acólito, subdiácono, padre e bispo! Fico horrorizado ao pensar, quantos padres mal possuem as virtudes necessárias para serem um simples clérigo. Ele é exortado a abandonar todos pensamentos fúteis e desejos que pertencem aos homens do mundo; isto é, ao homens que são do mundo, que estão continuamente pensando em coisas mundanas.

Um bom clérigo é exortado a não procurar por outra herança que não seja Deus, que Ele somente possa ser a sua parte e herança; e o clérigo deve verdadeiramente ser dito como parte e herança somente de Deus. Oh, quão alto deve ser o estado clerical que renuncia a todo mundo, que deve possuir somente a Deus, e deve ser possuído por Deus apenas. Este é o significado das palavras do salmista: vós sois a minha parte de herança e meu cálice (Sl 15,5).

O que é dito ser "parte da minha herança", que é a divisão das propriedades entre familiares, transforma-se em partilha de si mesmo. O sentido destas palavras não é que o clérigo deva desejar ter Deus como uma parte de sua herança e ter riquezas na outra parte, mas que do fundo do seu coração deve desejar transferir todos seus bens para Deus, sua inteira herança, ou seja, tudo que lhe pertencer neste mundo. Entre cálice e herança parece haver uma diferença, que um cálice se relaciona a prazeres e delícias, e herança a riquezas e honras.


Ordenação de padres, realizada na diocese do Rio de Janeiro em 2010

Portanto, o sentido geral é este: ó Deus, meu Deus! a partir deste momento, quaisquer que sejam as riquezas, prazeres ou outros bens temporais que possa desejar neste mundo, eu desejo possuir em Ti somente, que isto seja suficiente para mim. E desde que não possa ter em abundância bens espirituais neste mundo, o clérigo continua a oração: é o Senhor que irá restaurar minha herança em mim. O qiue eu rejeitar e desprezar por Ti, ou der aos pobres, ou perdoar meus devedores, Tu guardarás fielmente para mim, e me restituirá no tempo apropriado, não em ouro corruptível, mas em Ti mesmo, que é a fonte inesgotável de todos os bens.

Mas para que ninguém duvide de minhas palavras, vou acrescentar duas autoridades muito maiores que a minha, São Jerônimo e São Bernardo. São Jerônimo, falando da vida clerical, escreve: deixe um clérigo, que serve a Igreja de Cristo, explicar seu nome; sendo sua definição conhecida, deve se dedicar a ser aquilo pelo qual é chamado: no grego é κληρικός - klērikos, o que significa herança; por isso são chamados clérigos, seja por que escolhidos por Deus, ou por que Deus é sua herança. Mas aquele que jurou ser Deus sua herança, deve conduzir a si mesmo de tal modo que possua a Deus ou seja possuído por Ele.

E quem possuir a Deus e disser com o profeta "o Senhor é minha herança", não deve possuir a nada além de Deus. Mas, se tiver algo além de Deus, o Senhor não será sua herança: se, por exemplo, possuir ouro, prata, terra ou outros bens, o Senhor não será digno de estar junto com estas coisas. Assim fala São Jerônimo, e se o lermos, encontraremos que grande perfeição é necessária aos clérigos.

São Bernardo vem a seguir: não só ele aprova a linguagem de São Jerônimo, como algumas vezes utiliza suas palavras, embora não mencione seu nome. Assim ele fala em seu longo sermão sobre as palavras de São Pedro: Eis que deixamos tudo para te seguir (Mt 19,27). Um clérigo, diz São Bernardo, que tenha qualquer coisa com o mundo, não terá herança no céu; se possuir qualquer coisa além de Deus, o Senhor não estará em sua herança. E logo após, ele procede declarando o que um clérigo pode reter de benefícios eclesiais. Não dar a propriedade do pobre aos pobres, é o mesmo que um crime de sacrilégio: o que ministros e dispenseiros receberem da propriedade de igreja, além de meras roupas e comida, é de uma crueldade sacrílega retirar do patrimônio dos pobres. Assim, São Bernardo perfeitamente concorda com São Jerônimo.

A cerimônia de colocar o sobrepeliz branco prossegue, com estas palavras do apóstolo: revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4, 24). Não é suficiente para clérigos não ter amores pelas riquezas; suas vidas devem ser inocentes e sem mancha, porque são dedicados ao ministério do altar, no qual é imolado o Cordeiro sem manchas. Revestir sobre o "homem novo" significa nada além de abandonar os caminhos do velho Adão, que foi corrompido, e colocar-se nos caminhos do novo Adão, Cristo, que nasceu da Virgem Maria, apontou um novo caminho de justiça e santidade na verdade, ou seja, não apenas a justiça moral mas a também a mais perfeita e sobrenatural santidade, que Cristo demonstrou em si mesmo, de acordo com São Pedro: Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca (1Pd 2,22). Que muitos clérigos possam ser encontrados, que tendo vestido o sobrepeliz branco, possam demonstrar isto em sua vida e maneiras.

Outro ofício do clérigo é assistir com devoção, reverência e atenção ao Sacrifício Divina, na qual o Cordeiro de Deus é diariamente sacrificado. Sei que vários piedosos clérigos na Igreja, mas eu não apenas sei, mas muitas vezes presenciei, muitos ajudando no altar do Senhor, com olhos de cobiça e conduta imprópria, como se o serviço fosse coisa normal e comum, e não o mais sagrado e terrível! E talvez o clérigo não seja tanto quem deva ser culpado, mas ao padre mesmo, que muitas vezes celebra a missa de maneira apressada e com pouca devoção., parecendo não estar cuidando do que está fazendo. Ouçamos o que diz São Crisóstomo sobre o assunto: naquele instante anjos rodeavam o padre, e as criaturas celestiais cantavam alto, ao redor do altar, em honra de Jesus que era imolado ali. Nisto nós podemos facilmente acreditar quando consideramos a grandeza do sacrifício. São Gregório também escreveu no quarto livro dos seus diálogos: "quem entre os fiéis pode hesitar em acreditar que no momento da imolação, quando o padre pronuncia as palavras, os céus se abrem e os coros dos anjos descendem a terra, as coisas celestiais se juntam às terrestres, visível e invisível?"

Se estas palavras forem seriamente consideradas, tanto pelo padre quanto o clérigo que o ajuda, como podem agir da maneira que muitas vezes o fazem? Que espetáculo deplorável se pudéssemos ver a celebração, o padre cercado por todos os lados de coros de anjos, que permanecem em admiração e temor com o que está ocorrendo, cantandos cânticos espirituais; e, ao centro, o padre, frio e estupidamente desatento com tudo, não entendendo o que diz; e então ele apressa a missa, negligenciando cerimônias, de fato, sem saber o que está fazendo. Enquanto isto, o clérigo olha para todos os lados, as vezes até conversa com alguém! Assim Deus é encarnecido, assim as coisas mais sagradas desprezadas, assim este ato é oferecido aos heréticos para zombaria.

E como isto não pode ser negado, advirto e exorto aos eclesiásticos que morram para o mundo, vivam somente para Deus; não desejando riquezas em abundância, zelosamente perservando sua inocência, e trabalhando nas coisas divinas com devoção, como deveriam, e incitando os demais a fazer da mesma maneira. Assim eles irão ganahr grande confinaça com Deus e, ao mesmo tempo, enchar a Igreja de Cristo com o bom odor de suas virtudes.

(Nota do Tradutor): A tonsura foi abolida pelo Papa Paulo VI, através do motu proprio Ministeria quaedam. No Direito Canônico atual, uma pessoa passa a receber o título de clérigo quando recebe a primeira ordem menor, o diaconato. Assim, também seria razoável traduzir a palavra "clerical" para "diácono", mas preferi manter a fidelidade ao texto original. 

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)


-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português. O texto em inglês está disponível aqui.

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