O sacramento da Penitência (ou Confissão) é o próximo. Há três condições relacionadas a ele, a contrição de coração, confissão e penitência. Quem atender estes três requisitos, sem dúvida obtém perdão de seus pecados. Mas devemos atentamente considerar o que significa uma verdadeira contrição, sincera confissão e plena satisfação.
Comecemos pela contrição. O Profeta Joel exclama: Rasgai vossos corações e não vossas vestes (Jl 2,13); quando os hebreus querem expressar seu arrependimento por algum erro, eles rasgam suas vestes. Então o santo profeta alerta que se queremos expressar nosso verdadeiro e íntimo arrependimento frente a Deus pelos nossos pecados, devemos rasgar nossos corações. E o profeta Davi acrescenta, que não basta apenas rasgá-lo, mas esmagá-lo e reduzi-lo a pó: Meu sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e humilhado, ó Deus, que não haveis de desprezar (Sl 50,19).
A comparação claramente demonstra que, para agradar a Deus, não é suficiente apenas dizer "eu lamento meus pecados"; mas sentir um arrependimento interior profundo do coração, que raramente é experimentado na ausência de lágrimas e soluços. É maravilhoso como os Santos padres falam sobre a verdadeira contrição. São Cipriano disse em um sermão: "Assim como temos ofendido, devemos chorar; para uma ferida profunda é necessária um longo e cuidadoso tratamento. Nossa penitência não deve ser menor que o crime, devemos continuamente orar, passando o dia em lágrimas e a noite em vigília. Devemos dispender todo nosso tempo em lágrimas e lamentações, permanecendo em cinzas e vestidos de sacos." São Clemente de Alexandria chama a penitência de "batismo por lágrimas"; São Gregório Nazianzeno, afirma: "Devo receber penitentes se vê-los cobertos de lágrimas". Teodoreto escreve: "Os pecados cometidos após o Batismo são curados, mas não tão facilmente como antes, pelas águas da regeneração, mas por muitas lágrimas e trabalhos dolorosos.". Estes e semelhantes são os sentimentos dos Santos Padres sobre a verdadeira contrição.
Santa Maria Madalena lavando os pés de Jesus |
Mas hoje muitos se aproximam da confissão parecendo não possuir nenhuma ou a mínima contrição. Aqueles que desejam verdadeiramente se reconciliar com Deus, e viver de maneira justa, para morrer adequadamente, devem entrar no interior de seu coração e fechar a porta para todas as distrações, e, então, falar para si mesmos: "Veja o que fiz, que miserável homem sou cometendo tal pecado! Eu ofendi meu generoso Pai, que me deu todas as coisas, que me amou tanto, que me cobriu de benefícios de todas as maneiras, e tantas provas de amor que tenho visto, na minha vida e de outros irmãos. Mas o que devo dizer a meu Salvador, que me amou até mesmo quando seu inimigo o atacou, e se entregou por mim como oblação e sacrifício a Deus, como um odor de bondade; e eu sou tão ingrato que ainda O ofendi! Meu Deus foi agredido, coroado com espinhos e pregado na cruz, para que possa aplicar um remédio aos meus pecados e ofensas, e eu ainda não cesso de acrescentar pecado sobre pecado!". "Ele, pregado nu na cruz, exclamou que estava sedento pela minha salvação e eu ainda o ofendo com vinagre e o fel mais amargo! Quem poderá me explicar quão alta glória eu cai quando cometi tal e tal pecado? E era herdeiro de um reino eterno, uma vida de eterna alegria; mas desta grande alegria, a maior possível, eu infelizmente cai, por um pequeno e passageiro prazer, por palavras ofensivas, por uma linguagem blasfema perante Deus, que não me fazem qualquer bem. E para que estado estou, perdendo toda alegria! Vivo como cativo do demônio, meu mais cruel inimigo; e tão logo a carcaça pútrida do meu corpo se dissolver, o que pode ocorrer a qualquer momento; então, instantaneamente e sem nenhuma salvação, eu descerei ao Inferno! Ah, quão miserável sou! Talvez neste dia, nesta verdadeira noite, eu comece a queimar nas chamas eternas! E, frente a todas estas considerações, a ingratitude do mais perverso servo aumente contra o mais amável Pai e Senhor; por mais benefícios Ele me cobriu, por muito mais O ofendi com meus pecados.
Para quem ler este livro, estes são os sentimentos que devem animar seu coração. Sinceramente, eu espero que obtenham de Deus o dom da contrição. O penitente Davi uma vez entrou no interior de seu coração, após cometer adultério; e tão pronto recebeu a verdadeira contrição, molhou seus aposentos com lágrimas. Pedro também, sendo penitente, entrou em seu coração, após ter negado seu mestre, e imediatamente chorou amargamente. Madalena, sendo penitente, entrou em seu coração, e lavou os pés de Jesus com lágrimas e os secou com seus cabelos. Estes são, portanto, os frutos da contrição, que não podem florescer exceto na solidão do coração.
Agora falarei brevemente da confissão. Sei que muitos se aproximam dela sem tirar nenhum ou mínimo proveito. Isto é consequência de não entrarem em seu coração para se preparem antes da confissão. Alguns são tão negligentes para se confessarem, que apenas genericamente e de maneira confusa, acusam a si mesmos de violarem todos os mandamentos ou de terem cometido todo pecado mortal. Para tais pessoas somente uma absolvição geral pode ser dada, e, em geral, não estão em estado de receberem absolvição alguma.
Outros, ainda, relacionam seus pecados em certa ordem, mas se mencionar pessoas, lugares, momentos, número e outras circunstâncias; esta também é uma negligência perigosa. Uma coisa é atacar um padre, outra um leigo, pois a primeira ofensa pode levar a excomunhão, mas não a segunda. Uma é a ofensa de pecar com uma virgem, outra com pessoa consagrada a Deus, outra com pessoa casada, outra com uma prostituta; uma coisa é ter cometido o pecado uma vez, outra tê-lo repetido muitas vezes.
Ainda, há pessoas que, e isto é mais surpreendente, imaginam que pecados internos, como desejos de fornicação, adultério, homicídio e roubo não são pecados enquanto não cometidos! Nem olhadas imodestas, toques impuros nem palavras lascivas. Esquecem-se que Nosso Senhor expressamente diz: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração (Mt 5,28).
Quem desejar examinar sua consciência e fazer uma boa confissão, deve primeiro ler alguns livros muito úteis sobre o método de uma confissão, ou, ao menos, consultar um confessor pio e experiente. Então, deixá-lo entrar em seu coração e examinar sua consciência de maneira séria e detalhada, seus pensamentos, desejos, palavras, ações e omissões; no futuro deve abrir sua consciência ao seu diretor espiritual, e humildemente implorar por ele, estando disposto a realizar qualquer penitência que lhe impor.
Por fim, resta falar da penitência, sobre a qual nossos antecessores, muitos homens sábios, tiveram ideias mais elevadas que a maioria de nós parece ter. Como eles seriamente lembram, a penitência é muito mais fácil de ser cumprida na Terra que no Purgatório, assim impunham longas e severas penitências. Por exemplo, muitas penitências continuavam por sete, quinze ou até trinta anos; outras ainda a vida inteira. Sobre a natureza da penitência, jejuns frequentes e longas orações eram pedidas; banhos, passeios, finas vestimentas, jogos e diversões teatrais eram proibidas; em síntese, quase toda a vida dos penitentes era consumida em arrependimento e orações. Vou dar um exemplo. No décimo concílio de Toledo lemos que um bispo chamado Fotamius, que era culpado de alguns pecados de impureza, por sua iniciativa, trancou-se em uma prisão, e lá fez penitência por nove meses; após confessou seu pecado para o concílio de forma escrita e suplicou por perdão. Sabemos que o concílio decretou que deveria passar o resto da vida em penitência, dizendo ao mesmo tempo, que o tratavam mais misericordiosamente que a tradição permitia.
Mas hoje em dia somos tão fracos e delicados que um jejum a pão e água por uns dias, junto com salmos penitenciais e orações a serem recitadas em certos momentos, algumas esmolas dadas aos pobres, parecem muito severas até mesmo contra crimes e ofensas enormes. Quanto mais nos tratarmos bem nesta vida, mais a justiça de Deus nos fará sofrer no Purgatório, exceto, claro, se a eficácia de nossa verdadeira contrição for tal que, acompanhada de ardente caridade, pela misericórdia de Deus, obtivermos o perdão de nossos pecados e penas merecidas por termos cometidos. Um coração contrito e humilde, magnificamente satisfaz a compaixão de Deus Nosso Pai; por sua imensa doçura e bondade, que ele não pode outra coisa fazer a não ser correr ao encontro do seu filho pródigo arrependido, abraça-lo, beijá-lo, desejar a paz e secar todas as suas lágrimas, e enchê-lo de lágrimas de júbilo, mais doce que o mel.
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português. O texto em inglês está disponível aqui.
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