A fé cristã é, essencialmente, a religião do Logos, pensamento, razão, palavra.O cristianismo é expressão da verdade mais profunda do ser e da existência; é bom e belo porque é verdadeiro, alicerça-se numa realidade efetiva e não num conjunto de crenças irracionais e míticas. (Dom Henrique Costa)
Fostes conduzidos à santa fonte do divino Batismo, como Cristo, descido da cruz, foi colocado diante do sepulcro.
A cada um de vós foi perguntado se acreditava no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Vós professastes a fé da salvação e fostes por três vezes mergulhados na água e por três vezes dela saístes; deste modo, significastes, em imagem e símbolo, os três dias da sepultura de Cristo.
Assim como nosso Senhor passou três dias e três noites no seio da terra, também vós, na primeira emersão, imitastes o primeiro dia em que Cristo esteve debaixo da terra; e na imersão, a primeira noite. De fato, como aquele que vive nas trevas não enxerga nada, pelo contrário, aquele que anda de dia está envolvido em plena luz. Assim também vós, na imersão, como que mergulhados na noite, nada vistes; mas na emersão, fostes como que restituídos ao dia. Num mesmo instante, morrestes e nascestes, e aquela água de salvação tornou-se para vós, ao mesmo tempo, sepulcro e mãe.
Apesar de situar-se em outro contexto, a vós se aplica perfeitamente o que disse Salomão: Há um tempo para nascer e um tempo para morrer (Ecl 3,2). Convosco sucedeu o contrário: houve um tempo para morrer e um tempo para nascer. Num mesmo instante realizaram-se ambas as coisas e, com a vossa morte, coincidiu o vosso nascimento.
Ó fato novo e inaudito! Na realidade, não morremos nem fomos sepultados nem crucificados nem ainda ressuscitamos. No entanto, a imitação desses atos foi expressa através de uma imagem e daí brotou realmente a nossa salvação.
Cristo foi verdadeiramente crucificado, verdadeiramente sepultado e ressuscitou verdadeiramente. Tudo isto foi para nós um dom da graça, a fim de que, participando da sua paixão através do mistério sacramental, obtenhamos na realidade a salvação.
Ó maravilha de amor pelos homens! Em seus pés e mãos inocentes, Cristo recebeu os cravos e suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação.
Ninguém, portanto, julgue que o batismo consista apenas na remissão dos pecados e na graça da adoção filial. Assim era o batismo de João que concedia tão-somente o perdão dos pecados. Pelo contrário, sabemos perfeitamente que o nosso batismo não só apaga os pecados e confere o dom do Espírito Santo, mas é também o exemplar e a expressão dos sofrimentos de Cristo. É por isso mesmo que Paulo exclama: Será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele (Rm 6,3-4).
O povo judeu era escravo no Egito, não podia sequer celebrar seu Deus, pois o Faraó proibia. Eram obrigados a seguir os deuses egípcios. As parteiras foram ordenadas a matar os recém-nascidos logo após o nascimento, ainda em frente aos pais. Eram obrigados a trabalhar todos os dias até alcançarem cotas impossíveis de produção. Na noite de Páscoa, Deus os libertou do Egito e os conduziu até Israel, receberam uma terra onde eram livres, onde construíram templos, tinham seus filhos, famílias e animais. Isto Deus fez para o povo judeu.
Na véspera de sua Paixão, Jesus reuniu-se com seus apóstolos para celebrar a Ceia Pascal. Como era costume, deviam estar limpos, algo difícil em uma terra desértica. Pois Cristo fez o trabalho dos escravos, lavou os pés de cada um dos doze, incluindo Judas que iria entregá-lo em poucas horas, e usando uma toalha, secou seus pés, isto é, fez o trabalho completo de purificação do corpo e dos pecados. Isto Deus fez para os apóstolos.
Logo depois, Jesus celebrou a Páscoa judaica, a festa da libertação do Egito, mas deu-lhe um novo significado. O pão já não é mais o pão da pressa, o pão da fuga do Egito, agora é o Corpo de Cristo para nossa salvação. O vinho já não é o fruto da terra prometida, de Israel, mas é o Sangue de Cristo derramado na Santa Cruz. Ali, naquela noite, Jesus deixou para nós a fonte da vida, um sinal de somos parte do corpo e sangue de Cristo, que somos também filhos de Deus. I
Logo após a Última Ceia, Cristo foi preso, foi obediente a Deus até o final. Naquele dia lhe colocaram uma coroa de espinhos, chicotearam-no, bateram com varas, testemunhou o povo pedindo sua morte, até seu mais importante colaborador, seu sucessor, Pedro lhe negou três vezes. Jesus foi o cordeiro imolado, o servo tão desfigurado que já não lhe reconheciam, o justo que morreu perdoando aqueles que estavam torturando e matando. Isto Jesus fez por amor, em nosso favor.
Na Vigília Pascal revivemos a história da salvação, como Deus agiu na história do mundo, desde sua criação até hoje, e ainda no futuro. Jesus Cristo não terminou na cruz, após dar seu último suspiro e entregar seu espírito ao Pai. Cristo desceu à mansão dos mortos, onde estão aqueles que mesmo sendo pecadores, ainda tem uma esperança de salvação, e conduziu os seus para o céu, para estarem junto à Ele. Cristo ressuscitou, já não está no túmulo, isto Deus fez para a nossa salvação.
Ao final da Vigília Pascal, temos que reconhecer quantas graças o Senhor fez por nós. O simples fato de estarmos vivos já é um milagre do amor de Deus. Pense quantas vezes quase aconteceu com você, o acidente de carro a sua frente, poderia ter sido você; a pessoa com uma doença incurável, poderia ter sido você; o assaltante deu um tiro em alguém que você conhecia, poderia ter sido você, o amigo de escola que perdeu a vida nas drogas, poderia ter sido você. De todas estas situações Deus te livrou, e até hoje Deus tem te conduzido, mesmo que muitas vezes não reconheças. Muitas coisas Deus fez por você.
Cristo na Cruz, Bartolomé Murillo Timken Museum of Art, San Diego/USA
Que a nossa inteligência, iluminada pelo Espírito da Verdade, acolha com o coração puro e liberto, a glória da cruz que se irradia pelo céu e a terra; e perscrute, com o olhar interior, o sentido destas palavras do Senhor, ao falar da iminência de sua paixão: Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado (Jo 12,23). E em seguida: Agora sinto-me angustiado. E que direi? “Pai, livra-me desta hora!”? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu Filho! (Jo 12,27). E tendo vindo do céu a voz do Pai que dizia: Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo! (Jo 12,28), Jesus continuou, dirigindo-se aos presentes: Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por causa de vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei tudo a mim (Jo 12,30-32).
Ó admirável poder da cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do Crucificado!
Atraístes tudo a vós, Senhor, para que o culto divino fosse celebrado, não mais em sombra e figura, mas num sacramento perfeito e solene, não mais no templo da Judéia, mas em toda parte e por todos os povos da terra.
Agora, com efeito, é mais ilustre a ordem dos levitas, maior a dignidade dos sacerdotes e mais santa a unção dos pontífices. Porque vossa cruz é fonte de todas as bênçãos e origem de todas as graças. Por ela, os que creem recebem na sua fraqueza a força, na humilhação, a glória, na morte, a vida. Agora, abolida a multiplicidade dos sacrifícios antigos, toda a variedade das vítimas carnais é consumada na oferenda única do vosso corpo e do vosso sangue, porque sois o verdadeiro Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo (Jo 1,29). E assim realizais em vós todos os mistérios, para que todos os povos formem um só reino, assim como todas as vítimas são substituídas por um só sacrifício.
Proclamemos, portanto, amados filhos, o que o santo doutor das nações, o apóstolo Paulo, proclamou solenemente: Segura e digna de ser acolhida por todos é esta palavra: Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (1Tm1,15).
E é ainda mais admirável a misericórdia de Deus para conosco porque Cristo não morreu pelos justos, nem pelos santos, mas pelos pecadores e pelos ímpios. E como a natureza divina não estava sujeita ao suplício da morte, ele assumiu, nascendo de nós, o que poderia oferecer por nós.
Outrora ele ameaçava nossa morte com o poder de sua morte, dizendo pelo profeta Oséias: Ó morte, eu serei a tua morte; inferno, eu serei a tua ruína (cf. Os 13,14). Na verdade, morrendo, ele se submeteu às leis do túmulo, mas destruiu-as, ressuscitando. Rompeu a perpetuidade da morte, transformando-a de eterna em temporal. Pois, como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão (1Cor 15,2).
A Última Ceia foi a celebração da Páscoa judaica, um "seder", a solene refeição sacrificial realizada de acordo com os antigos ritos judaicos por nosso Senhor e seus apóstolos. Aqui revemos os acontecimentos dessa solene refeição, segundo se narra no Evangelho e do que os eruditos nos dizem da Páscoa no tempo de Cristo.
Realmente, a Última Ceia foi a "última", em parte porque foi a celebração final dos ritos pascais da nova lei, a Páscoa Cristã.
"Este é o meu corpo que é entregue por vós"
A Ceia Pascal é uma espécie de preparação da Missa que enfoca nossa atenção no coração do mistério pascal, o Cordeiro que foi sacrificado e nos redimiu da escravidão com seu sangue.
A Última Ceia foi a celebração da Páscoa judaica, um "seder", uma solene refeição sacrificial realizada de acordo com os antigos ritos judaicos por nosso Senhor e seus apóstolos. Aqui queremos reconstruir os acontecimentos dessa solene refeição, segundo se narra no Evangelho e do que os eruditos nos dizem da Páscoa no tempo de Cristo.
Realmente, a Última Ceia foi a última, porque foi a celebração final dos ritos pascais da nova lei, a Páscoa Cristã.
A Última Ceia é o momento decisivo quando os símbolos e profecias de outrora do Antigo Testamento são substituídos para sempre pelos fatos e cumprimento do Novo Testamento. Os evangelistas omitiram, ao narrar essa Ceia, muitos detalhes que davam como conhecidos por seus leitores judeus.
Por exemplo, nosso Senhor toma o cálice duas vezes na narração de São Lucas na Última Ceia (Lc. 22: 17-20), São Paulo fala da "Taça da bênção" (1Cor 10,16) e São Mateus menciona um salmo antes que os Apóstolos deixassem o Cenáculo? (Mt. 26: 30). Tudo isto faz parte de um Seder judaico, e os judeus, ainda hoje, compreendem muito bem o que está sendo narrado.
Essas e outras frases ganham novo significado à luz dos antecedentes judaicos. A Ceia Pascal também nos ajudará a entender e a aprofundar as cerimônias litúrgicas da Semana Santa e da Páscoa, impregnadas como estão de figuras e alusões ao Antigo Testamento nas várias orações e salmos da liturgia católica.
"Esta é a solenidade pascal na qual o verdadeiro Cordeiro foi sacrificado..." "Ó noite bendita que despojou os egípcios e enriqueceu os hebreus...".
Ao mesmo tempo, compreendendo mais claramente o contexto no qual Cristo escolheu instituir a Santa Eucaristia, se enriquecerá nossa participação na Missa.
A Ceia Pascal é uma espécie de preparação da Missa que enfoca nossa atenção no coração do mistério pascal, o Cordeiro que foi sacrificado e nos redimiu da escravidão com seu sangue.
E assim nos prepara para entrar mais de cheio em cada Missa, porque a Vigília Pascal não foi unicamente o fim do velho rito, mas o princípio do novo. Santo Atanásio diz: "Quando nos reunimos e comemos a carne de nosso Senhor e bebemos seu sangue, celebramos a Páscoa".
A cerimônia da Ceia Pascal nos permite representar os eventos da vigília pascal como um drama-oração, para nos prepararmos para a verdadeira representação da vigília pascal na Santa Missa.
Mas, por que Cristo usou a Ceia Pascal para instituir a Eucaristia?
É importante que pensemos que isto representa a eleição deliberada e completamente considerada de Cristo. Ele envia seus discípulos para preparar o Cenáculo. Ele se preocupa com o tempo e o lugar exato e arranja tudo cuidadosamente de antemão, dizendo-lhes:
Ardente desejo tive de comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento; pois vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no Reino de Deus (Lc. 22: 15-16).
A história do Êxodo do Egito que a Igreja lê em preparação aos mistérios pascais é a maior parábola de nossa Redenção no Antigo Testamento.
Cada detalhe é significativo. E, dentro de todos os acontecimentos da Antiga Lei, o mais significativo de todos é o sangue do cordeiro sacrificado aspergido nas portas dos filhos de Israel para que o anjo vingador, que veio matar o primogênito em toda casa do Egito, "passasse por cima" das casas dos hebreus.
O sangue do cordeiro profetiza o verdadeiro cordeiro cujo sangue libertou o mundo da escravidão do pecado.
Deus ordenou que esta primeira Páscoa fosse comemorada solenemente em uma festividade anual; o povo devia sacrificar um cordeiro e participar de sua refeição com pão ázimo e ervas amargas, uma lembrança da fuga apressada do Egito, quando não houve tempo de levar consigo pão com fermento, em agradecimento pela liberdade que foi um presente de Deus.
A festa da Páscoa anual ainda é uma celebração fundamental na religião judaica.
Com o passar dos séculos, o ritual tornou-se mais elaborado; gradualmente também a Páscoa tornou-se não unicamente uma memória do agradecimento a Deus pela bondade a Israel no passado, mas como uma profecia do futuro; justamente como Deus uma vez conduziu o povo escolhido, longe da escravidão, para que um dia os guiasse ao novo êxodo, à era futura do Messias.
No tempo de nosso Senhor, a ceia pascal já não era comida de pé e apressadamente, mas sentados ao redor da mesa de festa.
Em grande contraste com aquela noite de fuga, 1.500 anos antes, a atmosfera era de amor e alegria espiritual. O coração verdadeiro da celebração permanecia o mesmo através dos séculos: sacrifício e banquete sacrificial, celebrado em ação de graças.
A Vigília Pascal
Agora podemos começar a ver por que Cristo escolheu este momento para seu sacrifício. Esta festa familiar do povo escolhido, celebrada pelo povo como um todo e com um só coração, existia para que pudesse ser transformada na grande festa da comunidade cristã, demonstrando caridade, unindo mais intimamente em um só corpo aqueles alimentados pelo único Pão divino.
A primeira Páscoa foi comemorada em uma Ceia Pascal; a segunda Páscoa, o sacrifício de Cristo, nossa Páscoa, foi realizada na Santa Missa, a Ceia Pascal do Novo Testamento.
No contexto da Páscoa, o significado do sacrifício se esclarece: "Este é o meu corpo que é entregue por vós" (Lc 22,19) para que vós possais vencer a morte no pecado para a vida de Deus. Nesse contexto, esclarece-se também que o novo sacrifício terá também seu banquete sacrificial:
"Em verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós." (Jo 6,54).
Na Última Ceia, Cristo com toda humildade e reverência guardou a Páscoa com seus discípulos, observando cada detalhe do seu ritual. Mas quando a Ceia ia concluir, Ele substituiu o antigo rito pelo novo. Ele tomou o pão, o abençoou e partiu, e o que deu aos seus discípulos já não era simplesmente o pão sem fermento da Páscoa.
Ele tomou o cálice, o abençoou e o que lhes deu já não era unicamente a oferenda da Páscoa, mas o mistério da Nova Aliança que acabava de ser estabelecida. O momento supremo, antecipado na comemoração da Páscoa através dos séculos, havia chegado. A redenção do homem ia realizar-se.
Geralmente se sustenta que nosso Senhor celebrou a Páscoa com seus discípulos na quinta-feira à noite, antecipando em um dia a Páscoa legal dos discípulos. Na Sexta-feira Santa, na hora precisa em que os cordeiros pascais eram sacrificados no Templo, símbolo claro do cumprimento das profecias, o Cordeiro de Deus consumava seu sacrifício na Cruz.
A Velha Aliança entre Deus e o povo escolhido havia sido selada pelo sangue de muitas vítimas. A Nova Aliança estava agora selada pelo sangue da única vítima perfeita.
O cordeiro figurado era substituído pelo Cordeiro verdadeiro. O sacrifício agora havia sido feito perfeito. Este mesmo sacrifício profetizado na Páscoa judaica, cumprido no Calvário, é renovado em cada Missa. Tão frequentemente quanto nós, cristãos, o povo escolhido do Novo Testamento, comemos o pão e bebemos o vinho, celebramos o mistério pascal.
Como diz São João Crisóstomo, em cada Missa "é Cristo quem aqui e agora celebra a Páscoa com seus discípulos. E a mesa do altar é nada menos que a mesa da Última Ceia".
Esta representação da Ceia Pascal é, então, uma preparação para o mistério pascal, como é renovado em cada Missa, e mais especialmente como é celebrado na Quinta-feira Santa e durante toda a Semana Santa... agora que as cerimônias litúrgicas da Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santo foram restauradas para as horas da noite, a dramatização pode ser feita apropriadamente a qualquer hora antes da Missa de Quinta-feira, e talvez melhor na noite de Quarta-feira Santa.
Retirado de "Celebración de la Cena Pascual", de Mons. Mario De Gasperín