Agora iremos discutir um pouco o método de dar esmolas; pois é especialmente necessário para viver bem e ter uma morte feliz.
Primeiro, devemos dar esmolas com pura intenção de agradar a Deus e não obter reconhecimento humano. Isto Nosso Senhor nos ensina quando diz: Quando, pois, der esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens.Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. (Mt 6,2-3). Santo Agostinho expõe esta passagem assim: a mão esquerda significa a intenção de dar esmolas para obter honras mundanas e outras vantagens temporais; a mão direita significa a intenção de conceder esmolas para ganahr a vida eterna, ou para glória de Deus, e por caridade ao próximo.
Segundo, nossas esmolas devem ser dadas pronta e voluntariamente, tal que não pareça ter sido extorquida através de súplicas, nem adiada dia após dia. O homem sábio diz: Não digas ao teu próximo: Vai, volta depois! Eu te darei amanhã, quando dispões de meios (Pv 3,28). Abraão, temente a Deus, pediu aos anjos para ir à casa dele, não esperou que lhe pedissem, e disse a Ló para fazer o mesmo. E lemos que Tobias também não esperou que o pobre viesse a ele, mas procurou-os por si mesmo.
Terceiro, devemos das esmolas com alegrias, não tristeza. O Eclesiástico diz para mostrar contentamento. São Paulo escreve: Dê cada um conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem constrangimento. Deus ama o que dá com alegria (2 Cor 9,7).
Quarto, nossas esmolas devem ser dadas com humildade, pois o homem rico deve lembrar que recebe muito mais do que el dá. Sobre este ponto, São Gregório fala: quando der bens terrenos, o homem encontrará muito proveito em controlar seu orgulho e relembrar cuidadosamente as palavras de seu Mestre celestial: eu vos digo: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9). Para através de suas amizades adquirir tabernáculos eternos, aqueles que dão, sem dúvida, devem lembrar de oferecer seus dons para os pobres, não para os ricos.
Em Jope havia uma discípula chamada Tabita - em grego, Dorcas. Esta era rica em boas obras e esmolas que dava (At 9,36). |
Quinto, nossas esmolas devem ser dadas abundantemente, em proporção aos nossos bens. Assim fez e nos ensinou Tobias, o mais generoso em dar esmolas: se tiveres muito, dá abundantemente; se tiveres pouco, dá desse pouco de bom coração (Tb 4,9). E o apóstolo ensina que as esmolas devem ser dadas para alcançar a benção, não com avareza. São João Crisóstomo acrescenta: não apenas dar, mas dar abundantemente, isto é esmola. E, no mesmo sermão, repete: aqueles que desejam ser ouvidos por Deus quando dizem "tenha piedade de mim, oh Deus", de acordo com a divina misericórdia, devem ter misericórdia para com os pobres, na medida de suas posses.
Por fim, acima de todas as coisas, quem desejar ser salvo e ter uma boa morte, diligentemente deve perguntar-se, através de leituras e meditações, ou consultando homens santos e sábios, se suas supérfluas riquezas podem ser mantidas sem cometer pecado, ou se devem dá-las para os pobres; o que deve ser compreendido como supérfluo e quais são os bens necessários. Pode ocorrer que algumas riquezas moderadas sejam supérfluas, enquanto outras grandes riquezas seja absolutamente essenciais.
E desde que este tratado não requer estudos escolásticos aprofundados, irei brevemente citar algumas passagens da Escritura e Santos Padres. As Escrituras dizem: não podeis servir a Deus e à riqueza (Mt 6,24) e quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo (Lc 3,11). E no capítulo 12 de São Lucas é dito sobre quem tem grandes riquezas, que nem sabe o que fazer com elas: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão? (Lc 12,20). Santo Agostinho explica que estas palavras indicam que o homem rico perecerá porque não sabe utilizar suas riquezas supérfluas.
São João Crisóstomo afirma em sua 34a. homília ao povo de Antioquia: tens algumas posses? O interesse dos pobres está confiado a ti, sejam teus bens frutos de justos trabalhos ou herdados de teus pais. São Agostinho, nos Comentários sobre o Salmo 147: nossos bens supérfluos pertencem aos pobres; se não forem dados a eles, nós possuímos o que não temos direito. São Leão fala: bens temporais são dados para nós pela liberalidade de Deus, e Ele pedirá contas deles, pois foram concedidos a nós. São Tomás ensina que as riquezas temporais que possuímos, por lei natural pertencem aos pobres. E também que o Senhor nos pede para dar aos pobres não apenas a décima parte, mas todos bens supérfluos. O mesmo autor assegura que esta é a opinião comum de todos teólogos. E acrescento também, que se alguém quiser obedecer estritamente a letra da lei, não é apenas convidado a dar seus bens para os pobres, é obrigado a fazê-lo pela lei da caridade, pois tanto faz se escaparmos do inferno por seguirmos a lei ou por verdadeira caridade.
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
Nenhum comentário:
Postar um comentário