27 de dez. de 2010

O Sacramento da Eucaristia

A Sagrada Eucaristia é o maior de todos os sacramentos, no qual não apenas a graça é mais plena dada à nós, mas também o autor da graça é recebido. Duas coisas são necessárias saber a respeito deste sacramento para que um cristão possa viver e morrer justamente. 

Primeiro, que deve receber este alimento sagrado, como diz o Senhor: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos (Jo 6,53).

Em segundo lugar, que deve receber dignamente este excelente alimento, assim fala o apóstolo na Epístola aos Coríntios: Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação (1Co 11,9). Mas a questão é, com que frequência podemos receber este alimento e qual preparação é suficiente para possamos dignamente, ou, no mínimo, não indignamente,nos aproximarmos deste banquete. 

Quanto ao primeiro ponto, há muitos e diferentes costumes na Igreja Católica. Nos primeiros tempos da Igreja, os fiéis recebiam a Sagrada Eucaristia muito frequentemente. Por isso, São Cipriano no seu discurso sobre o Pai Nosso, explica estas palavras "nos dai o pão nosso de cada dia" como uma referência a Sagrada Eucaristia; e ele ensina que este sacramento deve ser recebido diariamente, exceto se houver algum impedimento grave. Após, quando a caridade se esfriou, muitos negaram a eucaristia por vários anos.

O Papa Inocente III publicou um decreto que pelo menos uma vez ao noa, na época da Páscoa, os fiéis, homens e mulheres, são obrigados a receber um Eucaristia. Mas a opinião comum dos doutores parece ser mais pia e admirável, de que os fiéis de se aproximar da eucaristia todos os domingos e nas grandes festas. A sentença, supostamente de Santo Agostinho, é muito comum entre os escritores espirituais: quanto a receber a eucaristia diariamente eu nem aconselho nem condeno, mas eu aconselho e exorto a recebê-la todos os domingos. Embora o texto "Dogmas Eclesiásticos" de onde esta opinião foi retirada, parece não ter sido escrito por Santo Agostinho, mas por outro escritos ainda mais antigo, suas doutrinas não são contrárias ao que o Santo claramente ensina na sua Epístola a Januário, "que não erram aqueles que aconselham a comunhão diária, nem aqueles que entendam não deve ser recebida tão frequentemente. Por certo, quem defende esta doutrina não pode se opor ao que sugerem a comunhão dominical. Esta é a opinião de São Jerônimo, pois podemos aprender no Comentário sobre a Epístola aos Gálatas, quando fala sobre o capítulo quarto: apesar de ser correto para nós mantermos um jejum perpétuo ou estarmos sempre rezando; e continuamente nos alegrarmos no dia do Senhor recebendo seu corpo; contudo aos judeus não é lícito imolar um cordeiro.

Quanto ao segundo ponto, relativo à preparação adequada para receber tão grande sacramento, que podemos receber por nossa salvação, e não por nosso julgamento ou condenação, é importante que nossa alma esteja em estado de graça, e não manchada por um pecado mortal. Por isso é chamado "alimento" e é dado em forma de pão, por que alimentos não são dados a pessoas mortas, somente aos vivos.

Quem come deste pão viverá eternamente (Jo 6,58b), diz Nosso Senhor; e no mesmo texto, a minha carne é verdadeiramente uma comida (Jo 6,55a). O Concílio de Trento acrescenta que para uma preparação digna, não é suficiente que o fiel em pecado mortal apenas reconheça seu pecado, mas que deve também expiar seus pecados através do sacramento da Penitência, se tiver uma oportunidade. E mais, como este sacramento não é apenas alimento, mas também remédio, e o melhor e mais saudável remédio, que o homem doente deve desejar sua saúde e a cura de todos os males dos vícios, especialmente os advindo da luxúria, avareza e orgulho. Santo Ambrósio ensina no quinto livro dos sacramentos: "aqueles que estão feridos necessitam tratamento, nós estamos feridos por que sob o pecado; e o remédio é a sagrada e santa Eucaristia". E São Boaventura afirma: "quem se considerar indigno, considere quão necessitado está de um médico, quão débil está". São Bernardo, no Sermão sobre a Ceia do Senhor, adverte que quem sentir propensões malignas ou qualquer outra desordem da alma sendo curada, deve atribuir ao sagrado sacramento.

A Última Ceia, de Tintoretto. Nota-se a presença de servos e anjos na cena, numa composição bem diferente da tradicional pintura de Leonardo da Vinci. A pintura encontra-se na Igreja de San Giorgio Maggiore, em Veneza.
Ainda, este sacramento não é apenas alimento para os fiéis e medicina para os doentes, é também o mais qualificado e amoroso médico, devendo ser recebido com grande alegria e reverência. A casa de nossa alma deve ser adornada com todo tipo de virtudes, especialmente fé, esperança, caridade, devoção e os frutos de boas ações, como a oração, jejuns a esmolas. Estes ornamentos o doce convidado de nossa alma requer, enquanto não se detêm em nossos bens. Reflita, também, que o médico que nos visita é Nosso Rei e Senhor, cuja pureza é infinita, solicitando a mais pura habitação. Escute São Crisóstomo, em um dos seus sermões ao povo de Antioquia: "Quão puro deve ser quem oferece tal sacrifício! Não devem ser as mãos daquele que divide o corpo mais puras que o raios do sol? Não deve a língua ser cheia de fogo espiritual?"

Portanto, quem desejar viver e morrer justamente, deve entrar no segredo de seu coração e, fechando a porta, estar sozinho com Deus, e examinar seu coração, olhar para si atentamente e considerar com que frequência e preparação tem recebido o corpo do Senhor; e se considerar que pela graça de Deus tem sido digno, tem se nutrido e curado gradualmente de sua fraquezas espirituais, que tem avançado diariamente mais e mais nas virtudes e boas ações; então poderá exultar com temor, não com medo de um servo, mas com casta alegria filial.

Mas, se alguém satisfeito com uma comunhão anual, não der maior importância a este sacramento salvador, e esquecendo de comer o pão espiritual, preferir alimentar e engordar seu corpo enquanto sua alma enfraquece e desfalece, deve ser advertido que esta em tão mal estado e muito longe do reino de Deus. Comunhão anual é aceita pelo Concílio, não porque devamos procurá-la apenas uma vez ao ano, mas por que devemos nos aproximar dela ao menos uma vez ao ano, exceto se desejarmos ser cortados da Igreja e condenados ao inferno. Quem age assim, e muitos o fazem, recebem o Senhor em Seu sacramento, não com amor filial, mas com medo servil; e logo retornam aos restos dos porcos, aos prazeres do mundo, aos ganhos temporais e honras passageiras. 

Então, na hora da morte, ouvem as palavras dirigidas ao rico glutão: Filho, lembra-te de que recebeste teus bens em vida (Lc 16,25). Mas se uma pessoa, frequentemente se aproxima deste sacramento, aos domingos ou todos os dias, ou se for um padre, deve avaliar se não está em pecado mortal, se tem realizado boas ações, se está desinteressado das coisas mundanas. Se, como os do mundo, estiver correndo atrás de dinheiro, prazeres carnais, honras e dignidades, este homem certamente come e bebe sua condenação; e quanto mais se aproxima dos sacramentos, mais imita o traidor Judas, de quem o Senhor falou: Melhor lhe seria que nunca tivesse nascido (Mc 14,21).

Mas ninguém, enquanto viver, deve desesperar de sua salvação. Se, ao relembrar em seu coração seus anos e trabalhos, perceber que se desviou do caminho da salvação, reflita que ainda há tempo para arrepender-se; começar séria penitência, e retornar ao caminho da verdade.

Antes de concluir o capítulo, acrescento o que São Boaventura escreveu, na sua vida de São Francisco, sobre a admirável piedade e amor do santo para com a Eucaristia, que do seu inflamado amor nossa tepidez e frieza podem se incendiar: Ele queimou com o mais íntimo amor de sua alma por este abençoado sacramento, até assombrar-se por esta admirável condescência e caridade sem limites. Em geral, quão distantes deste santo estamos, não apenas muitos leigos, mas também os ministros, que oferecem o Sacrifício com indevida pressa, que nem eles mesmos percebem o que estão fazendo, nem deixam os fiéis atentos ao serviço sagrado.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)


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