Queridos irmãos e irmãs,
"Na verdade, vós sois um Deus escondido" (Is 45, 15). Este versículo, que introduz o Cântico proposto para as Laudes de sexta-feira da primeira semana do Saltério, é tirado da meditação de Isaías sobre a grandeza de Deus, manifestada na criação e na história: um Deus que se revela, embora permaneça escondido na impenetrabilidade do seu mistério. Por definição, Ele é o "Deus absconditus". Nenhum pensamento o pode compreender. O homem só pode contemplar a sua presença no universo, como que seguindo os seus passos, prostrado diante dele na oração e no louvor.
O contexto histórico, a partir do qual nasce esta meditação, é o da surpreendente libertação que Deus ofereceu ao seu povo, no tempo do exílio babilónico. Quem é que teria pensado que, um dia, os exilados de Israel podiam voltar para a sua pátria? Olhando para o poder babilónico, eles só podiam desesperar. Todavia, eis o grande anúncio, a surpresa de Deus, que vibra nas palavras do profeta: como no tempo do Êxodo, Deus há-de intervir. E se então tinha derrotado a resistência do faraó com castigos tremendos, agora escolhe um rei, Ciro da Pérsia, para vencer o poder babilónico e restituir a liberdade a Israel.
"Vós sois um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador" (Ibidem). Com estas palavras, o profeta convida a reconhecer que Deus age na história, mesmo quando não se manifesta na linha de vanguarda. Dir-se-ia que se encontra "nos bastidores". Ele é o criador misterioso e invisível que respeita a liberdade das suas criaturas mas, ao mesmo tempo, tem nas suas mãos o destino das vicissitudes do mundo. A certeza da acção providencial de Deus é fonte de esperança para o crente, que sabe que pode contar com a presença constante daquele "que formou a terra e a consolidou" (Ibid., v. 18).
Com efeito, o ato criativo não é um episódio que se perde na noite dos tempos, de maneira que o mundo, depois daquele início, se deva considerar como que abandonado em si mesmo. Deus tira constantemente do ser a criação que saiu das suas mãos. Reconhecê-lo é também confessar a sua unicidade: "Não fui Eu, o Senhor? Não há outro Deus fora de mim" (Ibid., v. 21). Por definição, Deus é o Único. Nada lhe pode ser comparado. Tudo lhe é subordinado. Daqui, também a rejeição da idolatria, em relação à qual o profeta anuncia palavras severas: "Nada disto compreendem os que trazem o seu ídolo de madeira e dirigem as suas súplicas a um deus incapaz de os salvar" (Ibid., 20). Como é que nos podemos pôr em adoração, diante de um produto realizado pelo homem?
À nossa sensibilidade contemporânea, esta polémica poderia parecer excessiva, como se visasse as imagens consideradas em si mesmas, sem compreender que lhes pode ser atribuído um valor simbólico, compatível com a adoração espiritual do único Deus. Sem dúvida, aqui entra em jogo a sábia pedagogia divina que, através de uma rígida disciplina de exclusão das imagens, salvaguardou Israel das contaminações politeístas. Partindo do rosto de Deus, que se manifestou na encarnação de Jesus Cristo, a Igreja reconheceu, durante o segundo Concílio de Niceia (a. 787), a possibilidade de recorrer às imagens sagradas, contanto que estas sejam compreendidas no seu valor essencial de relação.
Todavia, subsiste a importância desta admoestação profética em relação a todas as formas de idolatria, com frequência dissimuladas mais do que no uso impróprio das imagens, nas atitudes com que os homens e as coisas são considerados como valores absolutos e substitutos do próprio Deus.
Sob o ponto de vista da criação, o hino leva-nos para o terreno da história, onde Israel pôde experimentar muitas vezes o poder benéfico e misericordioso de Deus, a sua fidelidade e a sua providência. Em particular, na libertação do exílio manifestou-se uma vez mais o amor de Deus pelo seu povo, e isto aconteceu de maneira tão evidente e surpreendente, que o profeta chama os próprios "sobreviventes de entre as nações" a testemunhar. Convida-os a discutir, se podem: "Congregai-vos, vinde, aproximai-vos todos juntos, sobreviventes de entre as nações" (Ibidem).
A conclusão a que o profeta chega é de que a intervenção do Deus de Israel é inquestionável. Então, manifesta-se uma magnífica perspectiva universalista. Deus proclama: "Convertei-vos a mim e sereis salvos, confins todos da terra, porque Eu sou Deus e não há outro" (Ibid., v. 22).
Assim, torna-se evidente que a predilecção com que Deus escolheu Israel como seu povo não significa um acto de exclusão mas, pelo contrário, um acto de amor de que toda a humanidade é destinada a beneficiar.
Desta forma delineia-se, já no Antigo Testamento, aquela concepção "sacramental" da história da salvação, que vê na eleição especial dos filhos de Abraão e, em seguida, dos discípulos de Cristo na Igreja, não um privilégio que "fecha" e "exclui", mas o sinal e o instrumento de um amor universal.
O convite à adoração e a oferta da salvação dizem respeito a todos os povos: "Todo o joelho se dobrará diante de mim, toda a língua jurará por mim" (Ibid., v. 23). Ler estas palavras numa perspectiva cristã significa ter no pensamento a revelação completa do Novo Testamento que, em Cristo, indica "um Nome que está acima de todo o nome" (Fl 2, 9), de tal maneira que, "ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre nos Céus, na Terra e nos Infernos, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai" (Ibid., vv. 10-11).
Através deste Cântico, as nossas Laudes matutinas adquirem proporções universais, dando voz também a quantos ainda não receberam a graça de conhecer Cristo. Trata-se de um louvor que se faz "missionário", levando-nos a percorrer todos os caminhos, anunciando que Deus se manifestou em Jesus como o Salvador do mundo.
-- Papa João Paulo II, na audiência de 31 de Outubro de 2001.
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