"Nações, ouvi a palavra do Senhor! Levai a notícia às ilhas longínquas" (Jr 31, 10). Qual é a notícia que está para ser anunciada com estas solenes palavras de Jeremias, que ouvimos no cântico que há pouco proclamámos? Trata-se de uma notícia confortadora, e não é ocasional que os capítulos que a contêm (cf. 30-31), sejam qualificados como "Livro da consolação". O anúncio refere-se diretamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica.
Eis o centro deste anúncio: "Porque o Senhor resgatou Jacó e o libertou das mãos do seu dominador" (Jr 31, 11). O quadro histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo povo de Deus, a cerca um século desde quando o Norte do País, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus a faz surgir a esperança de que o tempo do castigo tenha terminado. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Todos, também as "ilhas mais distantes", deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. Ele, que permitiu a dispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.
O convite à alegria é desenvolvido com imagens que empenham profundamente. É um oráculo que faz sonhar! Delineia um futuro em que os exilados "virão e cantarão", e encontrarão não só o templo do Senhor, mas também todos os bens: o trigo, o vinho, o azeite, o pequeno rebanho e o gado. A Bíblia não conhece um espiritualismo abstrato. A alegria prometida não se refere apenas ao íntimo do homem, porque o Senhor cuida da vida humana em todas as suas dimensões. O próprio Jesus não deixará de realçar este aspecto, convidando os seus discípulos a terem confiança na Providência também para as necessidades materiais (cf. Mt 6, 25-34). O nosso Cântico insiste sobre esta perspectiva: Deus quer fazer com que todos os homens sejam felizes. A condição que ele prepara para os seus filhos é expressa pelo símbolo do "jardim bem regado" (Jr 31, 12), imagem de vigor e fecundidade. O luto converte-se em festa, ficamos saciados de delícias (cf. v. 14) e repletos de bens, a ponto que é espontâneo cantar e dançar. Será uma alegria irreprimível, uma alegria do povo.
Os acontecimentos historicos dizem-nos que este sonho não se realizou naquela época. Mas, não certamente por Deus não ter cumprido a sua promessa: desta desilusão foi responsável mais uma vez o povo, com a sua infidelidade. O mesmo livro de Jeremias encarrega-se de o mostrar com o desenvolvimento de uma profecia que se torna difícil e dura, e leva progressivamente a algumas das fases mais tristes da história de Israel. Não só os exilados do Norte não voltarão, mas a própria Judeia será ocupada por Nabucodonosor em 587 a. C.. Então começarão dias amargos, quando, junto dos rios da Babilónia, se deverão suspender as harpas (cf. Sl 136, 2). Não poderá haver no coração qualquer disposição para cantar para satisfazer os algozes; não se pode rejubilar, se somos arrancados à força da pátria, a terra onde Deus estabeleceu a sua habitação.
Mas, todavia, a alegria que caracteriza este oráculo não perde o seu significado. De fato, permanece firme a motivação última sobre a qual se baseia, e que é expressa sobretudo por alguns versículos significativos, que precedem os que são propostos pela Liturgia das Horas. É necessário tê-los bem presentes, quando se lêem as expressões de alegria do nosso Cântico. Descrevem em termos vibrantes o amor de Deus pelo seu Povo. Indicando um pacto irrevogável: "Amei-te com um amor eterno" (Jr 31, 3). Cantam a alegria paterna de um Deus que chama a Efraim seu primogénito e o cobre de ternura: "Partiram em lágrimas, conduzi-los-ei em grande consolação, por caminhos direitos em que não tropeçarão; porque sou como um pai para Israel"(Jr 31, 9). Mesmo se a promessa não pôde ser então realizada por falta de empenho da parte dos filhos, o amor do Pai permanece na sua total e comovedora ternura.
Este amor constitui o fio de ouro que relaciona as fases da história de Israel, com as suas alegrias e tristezas, com os seus êxitos e fracassos. Deus não deixa de ser amoroso, e o próprio castigo é a sua expressão, assumindo um significado pedagógico e salvífico.
Na rocha firme deste amor, o convite à alegria do nosso Cântico evoca um futuro de Deus que, mesmo se é adiado, virá mais cedo ou mais tarde, apesar de todas as fraquezas do homem. Este futuro realizou-se na Nova Aliança com a morte e ressurreição de Cristo e com o dom do Espírito. Contudo, ele terá a sua realização plena na volta escatológica do Senhor. À luz destas certezas, o "sonho" de Jeremias permanece uma oportunidade histórica real, condicionada pela fidelidade dos homens, e sobretudo uma meta final, garantida pela fidelidade de Deus e já inaugurada pelo seu amor em Cristo.
Por conseguinte, ao ler este oráculo de Jeremias, devemos deixar ressoar em nós o evangelho, a bonita notícia promulgada por Cristo, na sinagoga de Nazaré (Cf. Lc 4, 16-21). A vida cristã é chamada a ser uma verdadeira "alegria", que só pode ser ameaçada pelos nossos pecados. Ao fazer-nos recitar estas palavras de Jeremias, a Liturgia das Horas convida-nos a apoiar a nossa vida em Cristo, o nosso Redentor (cf. Jr 31, 11) e a procurar nele o segredo da verdadeira alegria na nossa vida pessoal e comunitária.
-- Papa João Paulo II, na audiência de 10 de Outubro de 2001
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