Queridos irmãos e irmãs!
Na vigília da sua Paixão, durante a Ceia pascal, o Senhor tomou o pão nas suas mãos assim ouvimos há pouco no Evangelho e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e "entregou-o aos discípulos, dizendo: "Tomai: isto é o meu corpo". Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele. E Ele disse-lhes: "Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos"" (Mc 14, 22-24). Toda a história de Deus com os homens está resumida nestas palavras. Não foi só recolhido e interpretado no passado, mas antecipado também no futuro a vinda do Reino de Deus ao mundo. Aquilo que Jesus diz, não são simplesmente palavras. O que Jesus diz, é acontecimento, o acontecimento central da história do mundo e da nossa vida pessoal. Estas palavras são inexauríveis. Gostaria de meditar convosco neste momento apenas um aspecto.
Jesus, como sinal da sua presença, escolheu pão e vinho. Com cada um dos dois sinais doa-se totalmente, e não só uma parte de si. O Ressuscitado não está dividido. Ele é uma pessoa que, mediante os sinais, se aproxima de nós e se une a nós. Mas os sinais representam, a seu modo, cada aspecto particular do Seu mistério e, com o seu típico manifestar-se, querem falar-nos, para que aprendamos a compreender um pouco mais o mistério de Jesus Cristo.
Durante a procissão e a adoração nós olhamos para a Hóstia consagrada o tipo mais simples de pão e de alimento, feito apenas com farinha e água. Assim vemo-lo como o alimento dos pobres, aos quais em primeiro lugar o Senhor destinou a sua proximidade. A oração com a qual a Igreja durante a liturgia da Missa entrega este pão ao Senhor, qualifica-o como fruto da terra e do trabalho do homem. Nele está contida a fadiga humana, o trabalho quotidiano de quem cultiva a terra, semeia e recolhe e finalmente prepara o pão. Contudo o pão não é simples e somente o nosso produto, uma coisa feita por nós; é fruto da terra e portanto também dom. Porque o facto que a terra dá frutos, não é merecimento nosso; só o Criador lhe podia conferir a fertilidade. E agora podemos alargar um pouco mais esta oração da Igreja, dizendo: o pão é fruto da terra e, ao mesmo tempo, do céu.
Pressupõe a sinergia das forças da terra e dos dons do alto, isto é, do sol e da chuva. E também a água, da qual temos necessidade para preparar o pão, não a podemos produzir nós. Num período, no qual se fala da desertificação e sentimos sempre de novo denunciar o perigo de que homens e animais morram de sede nestas regiões sem água neste período damo-nos conta da grandeza do dom também da água e de quanto somos incapazes de o obter sozinhos. Então, olhando mais de perto, vemos este pequeno pedaço de Hóstia branca, este pão dos pobres, como uma síntese da criação. Céu e terra, assim como a actividade e o espírito do homem, concorrem.
A sinergia das forças que torna possível no nosso pobre planeta o mistério da vida e a existência do homem, vem ao nosso encontro em toda a sua maravilhosa grandeza. Assim começamos a compreender porque o Senhor escolhe este pedaço de pão como símbolo seu. A criação com todos os seus dons aspira para além de si mesma a algo de maior. Além da síntese das próprias forças, além da síntese também de natureza e de espírito que, de certa forma, sentimos no pedaço de pão, a criação inclina-se para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador.
Mas ainda não explicamos profundamente a mensagem deste sinal do pão. O Senhor mencionou o seu mistério mais profundo no Domingo de Ramos, quando lhe foi feito o pedido da parte de alguns para se encontrarem com Ele. Na sua resposta a esta pergunta encontra-se a frase: "Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto" (Jo 12, 24). No pão feito de grãos moídos está encerrado o mistério da Paixão.
A farinha, o grão moído, pressupõe morrer e ressuscitar do grão. Ao ser moído e cozido ele tem em si mais uma vez o mesmo mistério da Paixão. Só através do morrer consegue ressuscitar, dá o fruto e a vida nova. As culturas do Mediterrâneo, nos séculos antes de Cristo, intuíram profundamente este mistério. Com base na experiência deste morrer e ressurgir conceberam mitos de divindades que, morrendo e ressuscitando, davam vida nova.
O céu da natureza parecia-lhes como que uma promessa divina no meio das trevas do sofrimento e da morte que nos são impostos. Nestes mitos a alma dos homens, de certa forma, inclinam-se para aquele Deus que se fez homem, se humilhou até à morte na cruz e assim abriu a todos nós a porta da vida. No pão e no seu transformar-se, os homens descobriram como que uma expectativa da natureza, como que uma promessa da natureza de que isto deveria ter existido: o Deus que morre neste mundo conduz-nos à vida.
O que nos mitos era expectativa e que no mesmo grão está escondido como sinal da esperança da criação isto aconteceu realmente em Cristo. Através do seu sofrer e morrer livremente, Ele tornou-se pão para todos nós, e com isto esperança viva e fidedigna: Ele acompanha-nos em todos os nossos sofrimentos até à morte. Os caminhos que Ele percorre connosco e através dos quais nos conduz à vida são caminhos de esperança.
Quando nós olhamos para a Hóstia consagrada em adoração, o sinal da criação fala-nos. Então encontramos a grandeza do seu dom; mas encontramos também a Paixão, a Cruz de Jesus e a sua ressurreição. Mediante este olhar em adoração, Ele atrai-nos para si, para dentro do seu mistério, por meio do qual nos quer transformar como transformou a Hóstia.
A Igreja primitiva encontrou ainda no pão outro simbolismo. A Doutrina dos doze Apóstolos, um livro escrito por volta do ano 100, contém entre as suas orações a afirmação: "Assim como este pão partido estava disperso pelas colinas e ao ser recolhido se tornou uma só coisa, também a tua Igreja dos confins da terra seja reunida no teu Reino" (IX, 4). O pão feito por muitos grãos encerra também um acontecimento de união: o tornar-se pão dos grãos moídos é um processo de unificação. Nós próprios, sendo muitos, devemos tornar-nos um só pão, um só corpo, diz-nos São Paulo (cf. 1Cor 10, 17). Assim o sinal do pão torna-se ao mesmo tempo esperança e tarefa.
De maneira análoga nos fala também o sinal do vinho. Mas, enquanto o pão nos remete para a quotidianidade, para a simplicidade e para a peregrinação, o vinho expressa o requinte da criação: a festa da alegria que Deus nos quer oferecer no fim dos tempos e que já antecipa agora sempre de novo levemente mediante este sinal. Mas o vinho também fala da Paixão: a videira deve ser podada repetidamente para assim ser purificada; as uvas devem amadurecer sob o sol e sob a chuva e deve ser esmagada: só através desta paixão amadurece um vinho precioso.
Na festa de Corpus Christi olhamos sobretudo para o sinal do pão. Ele recorda-nos também a peregrinação de Israel durante os quarenta anos no deserto. A Hóstia é o nosso maná com o qual o Senhor nos alimenta é verdadeiramente o pão do céu, mediante o qual Ele se doa a si mesmo. Na procissão nós seguimos este sinal e assim seguimos a Ele próprio.
E imploramo-l'O: guia-nos pelos caminhos desta nossa história! Mostra sempre de novo à Igreja e aos seus Pastores o caminho justo! Olha para a humanidade que sofre, que vagueia insegura entre tantas interrogações; olha para a fome física e psíquica que a atormenta! Concede aos homens pão para o corpo e para a alma! Dá-lhe trabalho! Concede-lhe luz! Concede-te a ti mesmo a ela!
Purifica e santifica todos nós! Faz-nos compreender que só mediante a participação na tua Paixão, mediante o "sim" à cruz, à renúncia, às purificações que nos impões, a nossa vida pode amadurecer e alcançar o seu verdadeiro cumprimento. Reúne-nos de todos os confins da terra. Une a tua Igreja, une a humanidade dilacerada! Concede-nos a tua salvação! Amém!
-- Homilia do Papa Bento XVI na Solenidade de Corpus Christi - 2006
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