7 de dez. de 2012

O Cântico de Judite

O Cântico de louvor que acabamos de proclamar (cf. Jdt 16, 1-17) é atribuído a Judite, uma heroína que se tornou o orgulho de todas as mulheres de Israel, porque a ela coube exprimir o poder libertador de Deus num momento dramático da vida do seu povo. Deste seu cântico, a liturgia das Laudes faz-nos recitar apenas alguns versículos. Eles convidam a fazer festa, cantando em sintonia de vozes, tocando timbales e címbalos, para louvar o Senhor que "põe fim às guerras" (v. 2). Esta última expressão, que define o verdadeiro rosto de Deus que ama a paz, introduz-nos no contexto em que nasceu o hino. Trata-se de uma vitória alcançada pelos Israelitas de maneira totalmente surpreendente, por obra de Deus que intervém para os subtrair à perspectiva de uma derrota iminente e total.

Judite decapitando Holofernes, pintura de Caravaggio
Palácio Barberine, Roma
O Autor sagrado reconstrói este acontecimento alguns séculos mais tarde, a fim de oferecer aos irmãos e irmãs na fé, tentados pelo desencorajamento numa situação difícil, um exemplo que os possa animar. Desta forma, recorre ao que acontecera em Israel quando Nabucodonosor, irritado com a indisponibilidade deste povo perante os seus projectos de expansão e as suas pretensões idolátricas, enviara o general Holofernes com a tarefa bem definida de o dominar e aniquilar. Ninguém devia resistir a ele, que reivindicava as honras de um deus. E o seu general, compartilhando a sua presunção, desprezara a admoestação, que também ele recebera, de não atacar Israel, porque seria como ofender o próprio Deus.

Em última análise, o Autor sagrado deseja recordar precisamente este princípio, para confirmar os crentes do seu tempo na fidelidade ao Deus da Aliança:  é preciso ter confiança em Deus. O verdadeiro inimigo que Israel deve temer não são os poderosos desta terra, mas a infidelidade ao Senhor. Ela priva-o da protecção de Deus e torna-o vulnerável. Ao contrário, quando é fiel o povo pode contar com a própria força de Deus, "magnífico no seu poder e invencível" (cf. v. 13).

Este princípio é maravilhosamente ilustrado por toda a história de Judite. O cenário é o da terra de Israel já invadida pelos inimigos. Do cântico emerge a dramaticidade deste momento:  "O assírio veio das montanhas do norte com a multidão dos seus guerreiros. A sua multidão secava as torrentes, e a sua cavalaria cobria os vales" (v. 5). A arrogância efémera do inimigo é realçada com sarcasmo:  "Ele jurara incendiar o meu país, e passar ao fio de espada a minha juventude, e roubar os meus filhos, e levar as minhas filhas para o cativeiro" (v. 6).

A situação descrita pelas palavras de Judite é parecida com outras vividas por Israel, nas quais a salvação chegara quando parecia que já não havia caminhos de salvação. Não acontecera assim também a salvação do Êxodo, na passagem prodigiosa através do Mar Vermelho? Também agora o assédio por parte de um exército numeroso e poderoso tira qualquer esperança. Mas tudo isto só evidencia o poder de Deus, que se manifesta como um protector invencível do seu povo.

A obra de Deus é muito mais luminosa, porque Ele não recorre a um guerreiro ou a um exército. Como outrora, no tempo de Débora, eliminara o general cananeu Sísera por meio de Jael, uma mulher (cf. Jz 4, 17-21), agora serve-se de novo de uma mulher inerme para ajudar o povo que se encontra em dificuldade. Firme na sua fé, Judite aventura-se até ao acampamento inimigo, seduz com a sua beleza o comandante e executa-o de maneira humilhante. O Cântico põe em grande evidência este facto:  "O Senhor Todo Poderoso feriu-o, e entregou-o nas mãos de uma mulher que lhe cortou a cabeça. O seu chefe não caiu diante de jovens, nem foram heróis nem gigantes corpulentos que se lhe opuseram, mas foi Judite, filha de Merari, que o perdeu com a formosura do seu rosto" (Jdt 16, 5-6).

A figura de Judite tornar-se-á depois o arquétipo que permitirá não só à tradição hebraica, mas também à cristã, realçar a predileção de Deus por tudo o que é considerado frágil e débil, mas que precisamente por isso é escolhido para manifestar o poder divino. Ela é uma figura exemplar também para exprimir a vocação e a missão da mulher, chamada à igualdade com o homem, de acordo com as suas características específicas, a desempenhar um papel significativo no desígnio de Deus. Algumas expressões do livro de Judite serão adotadas, de modo mais ou menos integral, pela tradição cristã, que verá na heroína hebraica uma das prefigurações de Maria. Não se sente talvez um eco dos tons de Judite quando, no Magnificat, Maria canta:  "Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes" (Lc 1, 52)? Por conseguinte, compreende-se como a tradição litúrgica, familiar aos cristãos quer do Oriente quer do Ocidente, gosta de atribuir à Mãe de Jesus expressões que se referem a Judite, como as seguintes:  "Tu és a glória de Jerusalém, tu és a alegria de Israel, tu és a honra do nosso povo" (Jdt 15, 9).

Partindo da experiência da vitória, o cântico de Judite concluiu-se com um convite a elevar a Deus um cântico novo, reconhecendo-o "grande e glorioso". Ao mesmo tempo, admoestam-se todas as criaturas a permanecerem submetidas Àquele que com a sua palavra fez todas as coisas e as plasmou com o seu espírito. Quem pode resistir à voz de Deus? Judite recorda-o com grande ênfase:  perante o Criador e Senhor da história, os fundamentos dos montes serão abalados e as rochas derreter-se-ão como a cera (cf. Jdt 16, 15). São metáforas eficazes para recordar que todas as coisas são "nada", face ao poder de Deus. E contudo este cântico de vitória não quer amedrontar, mas confortar. De fato, Deus oferece o seu poder invencível em apoio de quantos lhe são fiéis:  "Aqueles que Vos temem serão verdadeiramente grandes aos vossos olhos" .

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