28 de dez. de 2012

Salmo 56: A prece matutina no sofrimento

Queridos irmãos e irmãs, 

Jacó luta com o Anjo, Rembrandt
É uma noite tenebrosa, em que se sente a presença de feras vorazes nos arredores. O orante está à espera do despontar da aurora, para que a luz vença a obscuridade e os temores. Este é o contexto do Salmo 56, hoje proposto à nossa reflexão:  um cântico noturno que prepara o orante para a luz da aurora, esperada com ansiedade, para poder louvar ao Senhor na alegria (cf. vv. 9-11). Com efeito, o Salmo passa da lamentação dramática dirigida a Deus, à esperança serena e ao agradecimento jubiloso, expresso com as palavras que em seguida voltarão a ressoar, num outro Salmo (cf. 107, 2-6).

Em síntese, assiste-se à passagem do medo à alegria, da noite ao dia, do pesadelo à serenidade e da súplica ao louvor. Trata-se de uma experiência frequentemente descrita nos Salmos:  "Convertestes o meu luto em júbilo, despistes-me do meu saco e cingistes-me de alegria. Por isso, o meu coração há-de cantar-vos sem cessar" (Sl 30 [29], 12-13).

Portanto, estamos a meditar sobre dois momentos do Salmo 56. O primeiro diz respeito à experiência do medo do assalto do mal, que procura atingir o justo (cf. vv. 2-7). No centro desta cena há leões em posição de ataque. Esta imagem transforma-se depressa num símbolo bélico, delineado com lanças, flechas e espadas. O orante sente-se atacado por uma espécie de esquadrão da morte. À sua volta, há um grupo de caçadores, que arma ciladas e escava fossas para capturar a presa. Mas esta atmosfera de tensão dissolve-se imediatamente. Com efeito, já no início (cf. v. 2) aparece o símbolo protector das asas divinas, que concretamente fazem pensar na arca da aliança com os querubins alados, ou seja, na presença de Deus ao lado dos fiéis no templo santo de Sião.

O orante pede instantemente que Deus mande do céu os seus mensageiros, a quem atribui os nomes emblemáticos de "Fidelidade" e de "Graça" (cf. v. 4), qualidades próprias do amor salvífico de Deus. Por isso, embora sinta arrepios pelo  rugido  terrível  das  feras  e  pela perfídia dos perseguidores, no seu íntimo  o  fiel  permanece  sereno  e  confiante, como Daniel na cova dos leões (cf. Dn 6, 17-25).

A presença do Senhor não demora a mostrar a sua eficácia, mediante a autopunição dos adversários:  eles caem na fossa que tinham cavado para o justo (cf. v. 7). Esta confiança na justiça divina, sempre viva nos Salmos, impede o desencorajamento e a rendição à prepotência do mal. Deus, que confunde as manobras dos ímpios, fazendo-os cair dos seus próprios projectos de maldade, mais cedo ou mais tarde põe-se ao lado do fiel.

Assim, chegamos ao segundo momento do Salmo, o da ação de graças (cf. vv. 8-11). Há um trecho que brilha de intensidade e beleza:  "O meu coração, Senhor, está firme, o meu coração está firme:  quero cantar-vos e louvar-vos! Despertai, minhas entranhas, despertai, harpa e cítara; quero despertar-me com a aurora" (vv. 8-9). As trevas já se dissiparam:  o alvorecer da salvação aproxima-se com o cântico do orante.

Aplicando a si esta imagem, o Salmista talvez traduza nos termos da religiosidade bíblica, rigorosamente monoteísta, o uso dos sacerdotes egípcios ou fenícios que eram encarregados de "despertar a aurora", ou seja, de fazer voltar a nascer o sol, considerado como uma divindade benéfica. Ele alude também ao costume de suspender e de velar pelos instrumentos musicais no tempo do luto e da provação (cf. Sl 137 [136], 2) e de os "despertar" ao som festivo no tempo da libertação e da alegria. Portanto, a liturgia faz nascer a esperança:  dirige-se a Deus, convidando-o a aproximar-se de novo do seu povo e a escutar a sua súplica. Nos Salmos, a aurora é com frequência o momento da concessão divina, depois de uma noite de oração.

Assim, o Salmo termina com um cântico de louvor dirigido ao Senhor, que age com as suas grandes qualidades salvíficas, que já se manifestaram com termos diferentes na primeira parte da súplica (cf. v. 4). Agora entram em cena, de modo quase personificador, a Bondade e a Fidelidade. Elas inundam os céus com a sua presença e são como a luz que brilha na obscuridade das provas e das perseguições (cf. v. 11). É por este motivo que, na tradição cristã, o Salmo 56 se transformou em cântico do despertar para a luz e a alegria pascal, que se irradia no fiel, cancelando o medo da morte e alargando o horizonte da glória celeste.

Gregório de Nissa descobre nas palavras deste Salmo uma espécie de descrição típica daquilo que se verifica em cada experiência humana, aberta ao reconhecimento da sabedoria de Deus. "Efetivamente, salvou-me exclama fazendo-me sombra com a nuvem do Espírito, e aqueles que me espezinharam foram humilhados" (Sobre os títulos dos Salmos, Roma 1994, pág. 183).

Depois, referindo-se às expressões que concluem este Salmo, onde se diz:  "O vosso amor chega até aos céus, sobre toda a terra (se estende) a vossa glória", ele conclui:  "Na medida em que a glória de Deus se estende sobre a terra, enriquecida pela fé daqueles que são salvos, os poderes celestes entoam hinos de louvor a Deus, exultando pela nossa salvação" (Ibid., pág. 184).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 19 de Setembro de 2011

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