Por não estar em Mim, o pecado
não merece amor. Quem o faz, ofende toda criação e odeia-Me. O homem tem
obrigações de Me querer bem. Sou imensamente bom, dei-lhe o ser, numa chama de
caridade. Todavia, os maus fogem de Mim. Mas, por justiça ou misericórdia,
ninguém escapa das Minhas Mãos.
Eis Meu plano: criara o
homem à Minha imagem e semelhança para que alcançasse a vida eterna,
participasse do Meu Ser, experimentasse Minha suma, eterna e doce bondade.
O pecado veio impedir-lhe de
atingir essa meta. O homem deixava de realizar o Meu plano, pois a culpa lhe
fechara o Céu e a porta da Minha misericórdia.
O pecado fez germinar na
humanidade espinhos e sofrimentos, tribulações numerosas, rebelião interna.
Ao revoltar-se contra Mim o
homem criava a rebelião dentro de si. Em conseqüência da perda do estado de
inocência, a carne se revoltou contra o espírito... Imediatamente brotou um rio
tempestuoso, cujas ondas continuam a açoitar a humanidade. São as misérias e males
provenientes do próprio homem, do demônio e do mundo. Nele todos se afogavam;
ninguém mais, graças a virtudes pessoais, atingia a vida eterna.
Para remediar tantos males,
construí a Ponte no Meu Filho, que permitiria a travessia do rio sem perigo de
afogar-se. O rio é o tempestuoso mar desta tenebrosa vida...
Quero que contemples a Ponte
de Meu Filho, que vejas sua grandiosidade. Ela se estende do céu à terra, pois
nela a "terra" da vossa natureza humana está unida à divindade
sublime, graças à encarnação que realizei no homem. Todos vós deveis passar por
esta Ponte, louvando-Me através do trabalho pela salvação dos homens e
tolerando muitas dificuldades, a exemplo do Meu doce e amoroso Verbo Encarnado.
Não há outro modo de chegar até Mim.
Cada pessoa tem uma vinha, a
vinha da própria alma. Nela trabalha com a vontade pessoal, livre, durante o
tempo desta vida. Acabado este tempo nenhum outro trabalho será realizado, seja
para o bem, seja para o mal.
Começareis por purificar-vos
com a contrição interior, desapegando- vos e desejando a virtude. Sem esta
predisposição, exigida na medida de vossas possibilidades como ramos unidos à
Videira, que é Meu Filho (Jo 15,1). nada recebereis.
Dizia Meu Filho: Éu sou a
videira verdadeira e vós os ramos; Meu Pai é o agricultor (Jo 15,5). Sim,
Eu Sou o agricultor, de Mim se originam todos os seres. Tenho um poder
incalculável, pelo qual governo o universo; nada Me escapa. Fui Eu o agricultor
que plantou a verdadeira vinha, Cristo, no chão da humanidade, para que vós,
unidos a Ele, possais frutificar. Quem não produzir ações santas e boas, será
cortado da videira; e secará. Separado, perderá a vida da graça e irá para o
fogo eterno...
Sabes que os mandamentos da Lei
se reduzem a dois sem eles, nenhum outro é observado. São: amar-Me sobre todas
as coisas e amar o próximo como a ti mesma. Eis o começo, o meio e o fim dos
mandamentos da lei.
Todavia esses "dois"
não se "reúnem" em Mim sem os "três", isto é, sem a
unificação das três faculdades da alma: A memória a inteligência e a vontade. A
memória há de recordar-se dos Meus beneficies e da Minha bondade; a inteligência
pensará no amor inefável revelado em Cristo, pois Ele se oferece como objeto
de reflexão, para manifestar a chama do Meu amor; a vontade unindo-se às
faculdades anteriores, Me amará e desejará como seu fim.
O coração humano, ao ser atraído
pelo amor, leva consigo todas as faculdades da alma: Quando são harmonizadas e
reunidas tais faculdades, todas as ações humanas - corporais ou espirituais -
ficam-Me agradáveis, pois unem-se a Mim na caridade.
Foi exatamente para isso que Meu
Filho se elevou na cruz, trilhando o caminho do amor cruciante. Ao dizer,
Quando Eu for elevado, atrairei a Mim todas as coisas, ele queria
significar: quando o coração humano e as faculdades forem atraídas, todas as
demais faculdades e suas ações o serão...
É muita estreita a união dessas
três faculdades. Quando uma delas Me ofende, as outras também o fazem. Como
disse, uma apresenta à outra o bem ou o mal, conforme agrada ao livre arbítrio.
O livre arbítrio, se acha na
vontade e a move como quer, em conformidade ou não com a razão.
Possuis a razão, sempre unida
a Mim, a menos que o livre arbítrio a afaste mediante o amor desordenado, e
tende em vós uma lei perversa, que luta contra o espírito. Ensinou o apostolo
Paulo em sua carta (C1 3,5) a mortificar o corpo e a destruir a vontade
própria, ou seja, refrear o corpo mortificando a carne, quando ela se opõe ao
espírito. Tendes, então, duas partes em vós mesmos: a sensualidade e a razão. A
sensualidade foi dada como servidora, a fim de que as virtudes sejam exercidas
e provadas através do corpo. O homem é livre, já que Meu Filho o libertou com
Seu Sangue. Ninguém pode dominar a pessoa humana quanto a vontade, pois ela
possui o livre arbítrio. Este se identifica com a vontade, concorda com ela.
Fica, pois, o livre arbítrio entre a sensualidade, e a razão, e inclina-se ora
de um lado ora de outro, conforme preferir...
Quando a pessoa tenta livremente
reunir as três faculdades, memória, inteligência e vontade, em Mim, na maneira
explicada, todas as atividades espirituais e corporais humanas ficam
unificadas. O livre arbítrio se afasta da sensualidade, tende para o lado da
razão.
Ninguém pode vir a Mim, senão
Por meio de Cristo. Esta a razão pela qual fiz d'Ele uma Ponte de três degraus.
Esses três degraus representam os três estados espirituais do homem. O
pavimento desta ponte é feito de pedras, a fim de que a chuva (da justiça
divina) não retenha o caminhante. "Pedras" são as virtudes
verdadeiras e reais. Antes da Paixão do Meu Filho, elas ainda não tinham sido
assentadas, motivo pelo qual os antigos não atingiam o céu, mesmo que vivessem
piedosamente. O Paraíso ainda não fora aberto com a chave do Sangue, e a chuva
da justiça divina impedia a caminhada.
Quando aquelas pedras foram
assentadas no Corpo do Meu Filho - por Mim comparado a uma ponte - foram
embebidas, amalgamadas e assentadas com sangue. Em outras palavras: o sangue
(humano) foi misturado com a cal da divindade e fortemente queimado no calor da
caridade.
Tais pedras foram postas em
Cristo por Mim, mas é n'Ele que toda virtude é comprovada e vivificada. Fora de
Jesus ninguém possui a vida da graça. Ocorre estar n'Ele, trilhar suas
estradas, viver Sua mensagem. Somente Ele faz crescer as virtudes, somente Ele
as constrói como pedras vivas, cimentando-as com o próprio Sangue.
Nele, todos os fiéis caminham na
liberdade, sem o medo da justiça divina, pois vão cobertos pela misericórdia,
descida do céu no dia da encarnação.
Foi a chave do Sangue de Cristo
que abriu o céu. Portanto, esta ponte é ladrilhada; e seu telhado é a misericórdia.
Possui também uma despensa,
constituída pela hierarquia da Santa Igreja, que conserva e distribui o Pão da
Vida e o Sangue. Assim, Minhas criaturas, viandantes e peregrinas, não
fraquejam de cansaço na viagem. Para isto ordenei que vos fosse dado o Corpo e
o Sangue do Meu Filho, Homem Deus...
Disse Jesus: Eu sou o
caminho, a verdade, e a vida; quem vai por Mim não caminha nas trevas, mas na
luz (Jo, 8,12)... Quem vai por tal caminho é filho da verdade, atravessa
a ponte e chega até Mim, verdade eterna, oceano de paz. Quem não trilha esse
caminho, vai pela estrada inferior, no rio do pecado. É uma estrada sem pedras,
feita somente de água, inconsistente; por sobre ela ninguém vai sem afundar. É
o caminho dos prazeres e das altas posições, daqueles cujo amor não repousa em
Mim e nas virtudes, mas no apego desordenado ao que é humano e passageiro. Tais
pessoas são como a água sempre a escorrer. À semelhança daquelas realidades,
vão passando.
Calvário, de Josse Lieferinxe (c. 1500). Museu do Louvre, Paris. |
Eles acham que são as coisas
criadas, objeto de seu amor, que se vão; na realidade, também eles caminham
continuamente em direção à morte. Bem que gostariam de deter-se, reter na vida
as coisas que amam. Seriam felizes se as coisas não passassem. Perdem-nas todavia,
seja por causa da morte, seja pelos acontecimentos com que faço, escapar-lhes
das mão, os bens deste mundo...
Com o retorno de Meu Filho
ao céu, enviei o Mestre, o Espírito Santo. Ele veio no Meu poder, na sabedoria
do Filho, e na própria clemência. É uma só coisa Comigo e o Filho. Por sua
vinda fortaleceu o Caminho - Mensagem deixado no mundo por Jesus. O Espírito
Santo é qual mãe a nutrir no Divino Amor. Ele liberta o homem, torna-o dono de
si, isento da escravidão e do egoísmo. A chama da Minha caridade (o Espírito
Santo) não sobrevive junto ao egoísmo....
Assim, todos os homens,
recebem luzes para conhecer a verdade. Basta que cada um o queira, que não
destrua a luz da razão, pelo egoísmo desordenado.
A mensagem de Jesus é verdadeira
e ficou no mundo qual pequena barca para retirar os pecadores do rio do pecado
e conduzi-os ao porto da salvação.
Primeiro, coloquei Meu Filho
como Ponte - Pessoa, a conviver com os homens; após Sua morte, ficou a Ponte -
Mensagem possuindo ela Meu poder, a sabedoria do Filho e o amor do Espírito. O
poder fortifica os caminhantes, a sabedoria ilumina e ajuda a reconhecer a
Verdade, o Espírito Santo infunde o amor que aperfeiçoa, que destrói o egoísmo
e conserva no homem o apego ao bem...
O Verbo encarnado, Meu Filho
único e ponte de glória, deu aos homens vida e grandeza. Eram escravos do
demônio e Ele os libertou.
Para que cumprisse tal missão,
tornei-O servo; para cobrir a desobediência de Adão exigi que obedecesse; para
confundir o orgulho, humilhou-se até a morte na cruz. Por Sua morte, destruiu o
pecado. No intuito de livrar a humanidade da morte eterna, fez do Seu Corpo uma
bigorna.
No entanto os pecadores
desprezam Seu Sangue, pisoteiam-No com um amor desordenado. Esta é a injustiça,
este o julgamento falso a respeito do qual o mundo é e será repreendido até o
dia do juízo final. Tal repreensão começou quando enviei o Espírito Santo sobre
os apóstolos. São três as repreensões: a voz da Igreja, o Juízo Particular e o
Juízo Final...
-- Do Livro Revelações de Santa Catarina de Sena (século XIV)
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