17 de out. de 2012

Salmo 28: O Senhor proclama solenemente a sua palavra

Caríssimos Irmãos e Irmãs:

Jesus controla a tempestade. Aquarela, de Manz. 
1. Alguns estudiosos consideram o Salmo 28, que acabamos de recitar, como um dos textos mais antigos do Saltério. É poderosa a imagem que o sustém no seu desenvolvimento poético e orante:  de fato, estamos perante o desencadear progressivo de uma tempestade. Ela é marcada no original hebraico por uma palavras, qol, que significa ao mesmo tempo "voz" e "trovão". Por isso alguns comentadores deram ao nosso texto o título de "Salmo dos sete trovões", devido ao número de vezes que essa palavra nele é repetida. Pode dizer-se, com efeito, que o Salmista concebe o trovão como um símbolo da voz divina que, com o seu mistério transcendente e inatingível, irrompe na realidade criada chegando ao ponto de a perturbar e amedrontar, mas que no seu significado mais profundo é palavra de paz e de harmonia. Aqui o pensamento vai para o capítulo 12 do IV Evangelho, onde a voz que, do céu, responde a Jesus, é entendida pela multidão como um trovão (cf. Jo 12, 28-29).

Ao propor o Salmo 28 para a oração das Laudes, a Liturgia das Horas convida-nos a assumir uma atitude de profunda e confiante adoração da Majestade divina.

2. São dois os momentos e os lugares aos quais o cantor bíblico nos conduz. No centro (cf. vv. 3-9) encontra-se a representação da tempestade que se desencadeia a partir da "extensão das águas" do Mediterrâneo. As águas marinhas, aos olhos do homem da Bíblia, encarnam a desordem que atenta contra a beleza e o esplendor da criação, chegando a corrompê-la, a destruí-la e a abatê-la. Por conseguinte, temos na observação da tempestade que se enfurece, a descoberta do poder imenso de Deus. Quem reza vê o furacão que se desloca para norte e cai na terra firme. Os cedros altíssimos do monte Líbano e do monte Sirion, chamado outras vezes Hermon, são arrancados pelos raios e parecem saltar sob os trovões como animais amedrontados. Os estrondos aproximam-se, atravessam toda a Terra Santa e descem para sul, nas estepes desérticas de Kades.

3. Após esta visão de grande movimento e tensão somos convidados a contemplar, por contraste, outro cenário que é representado no início e no final do Salmo (cf. vv. 1-2.9-11). Ao assombro e ao medo contrapõe-se agora a glorificação adorante de Deus no templo de Sião.

Há quase um canal de comunicação que une o santuário de Jerusalém com o santuário celeste:  nestes dois âmbitos sagrados há paz e eleva-se o louvor à glória divina. O barulho ensurdecedor dos trovões é substituído pela harmonia do cântico litúrgico, o terror pela certeza da protecção divina. Agora Deus aparece "dominante sobre a tempestade" como "rei para sempre" (v. 10), isto é, como o Senhor e o Soberano de toda a criação.

4. Diante destes dois quadros antitéticos o orante é convidado a realizar uma dupla experiência. Em primeiro lugar, deve descobrir que o mistério de Deus, expresso no símbolo da tempestade, não pode ser apreendido e dominado pelo homem. Como canta o profeta Isaías, o Senhor, semelhante ao esplendor ou à tempestade, irrompe na história semeando pânico em relação aos perversos e aos opressores. Sob a intervenção do seu juízo, os adversários soberbos são  destronados  como  árvores  atingidas por um furacão ou como cedros despedaçados pelas flechas divinas (cf. Is 14, 7-8).

Nesta luz é evidenciado aquilo que o pensador  moderno  (Rudolph  Otto) qualificou como o tremendum de Deus, ou seja, a sua transcendência inefável e a  sua  presença  de  juíz  justo  na  história da humanidade. Ela ilude-se em vão ao pensar que pode opor-se ao seu poder soberano. Também Maria exaltará no Magnificat este aspecto do agir de Deus:  "Exerceu a força com o Seu braço e aniquilou os que se elevavam no seu próprio conceito. Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes" (Lc 1, 51-52).

5. Mas o Salmo apresenta-nos outro aspecto do rosto de Deus, o que se descobre na intimidade da oração e na celebração da liturgia. Segundo o pensador mencionado, é o fascinosum de Deus, ou seja, o fascínio que provém da sua graça, o mistério do amor que se propaga no fiel, a segurança serena da bênção reservada para o justo. Até perante a confusão do mal, das tempestades da história, e da própria cólera da justiça divina, o orante se sente em paz, envolvido pelo manto de protecção que a Providência oferece a quem louva a Deus e segue os seus caminhos. Através da oração chega-se à consciência de que o verdadeiro desejo do Senhor consiste em conceder a paz.

No templo é restabelecida a nossa apreensão e cancelado o nosso terror; nós participamos na liturgia celeste com todos "os filhos de Deus", anjos e santos. E sobre a tempestade, semelhante ao dilúvio destruidor da maldade humana, curva-se então o arco-íris da bênção divina, que recorda "a aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra" (Gn 9, 16).

É esta, principalmente, a mensagem que se realça na leitura "cristã" do Salmo. Se os sete "trovões" do nosso Salmo representam a voz de Deus no universo, a expressão mais nobre desta voz é aquela com que o Pai, na teofania do Batismo de Jesus, revelou a Sua identidade mais profunda como "Filho muito amado" (Mc 1, 11 e par.). São Basílio escreve:  "Talvez, e de maneira mais mística, "a voz do Senhor sobre as águas" ecoou quando veio uma voz do alto ao batismo de Jesus e disse:  Este é o Meu Filho muito amado. Então, de fato, o Senhor pairava sobre muitas águas, santificando-as com o batismo. O Deus da glória ecoou do alto com a voz poderosa do seu testemunho... E podes também entender como "trovão" aquela mudança que, depois do batismo, se realiza através da grande "voz" do Evangelho" (Homilias sobre os Salmos:  PG 30, 359).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 13 de Junho de 2001

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