3 de out. de 2012

Salmo 5: A oração da manhã para obter a ajuda do Senhor

Caríssimos Irmãos e Irmãs:
Ícone da Divina Misericórdia, feito a partir de uma visão de
Santa Faustina Kowalska, mostra Cristo em frente às portas
do templo.

1. "Pela manhã, Senhor, ouvis a minha voz, mal nasce o dia exponho o meu pedido e aguardo ansiosamente". Com estas palavras, o Salmo 5 apresenta-se como uma oração da manhã e por isso se situa bem na liturgia das Laudes, o cântico do fiel no início do dia. A tonalidade de fundo desta súplica está marcada também por tensão e ansiedade pelos perigos e amarguras que podem acontecer inesperadamente. Mas não falta a confiança em Deus, sempre pronto a amparar o seu fiel para que não tropece no caminho da vida.

"Ninguém, a não ser a Igreja, possui uma confiança assim" (São Jerónimo, Tractatus LIX in psalmos). E Santo Agostinho, chamando a atenção para o título que é dado ao Salmo, título que diz na sua versão latina:  Para aquela que recebe a herança, explica:  "Portanto, trata-se da Igreja que recebe em herança a vida eterna por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, de maneira que ela possui o próprio Deus, adere a Ele, e n'Ele encontra a sua felicidade, segundo o que está escrito:  "Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra" (Mt 5, 5) .

2. Como acontece muitas vezes nos Salmos  de  "súplica"  dirigidos  ao Senhor para que nos liberte do mal, são três as personagens que entram em cena neste Salmo. Em primeiro lugar, aparece Deus (vv. 2 e 7), o Tu por excelência do Salmo, ao qual se dirige confiante aquele que invoca. Perante os pesadelos de um dia cansativo e talvez rigoroso em relação à injustiça, alheio a qualquer compromisso com o mal:  "Tu não és um Deus que se apraz com o mal" (v. 5).

Um longo elenco de pessoas más o malvado, o estulto, quem pratica o mal, o mentiroso, o sanguinolento, o ignorante passa diante do olhar do Senhor. Ele é o Deus santo e justo e põe-se ao lado de quem percorre os caminhos da verdade e do amor, opondo-se a quem escolhe "as veredas que conduzem ao reino das sombras" (cf. Pr 2, 18). Então, o fiel não se sente sozinho e abandonado quando enfrentar a cidade, penetrando na sociedade e no enredo das vicissitudes quotidianas.

3. Nos versículos 8-9 da nossa oração matutina a segunda personagem, quem ora, apresenta-se a si próprio com um Eu, revelando que toda a sua pessoa se dedica a Deus e à sua "grande misericórdia". Ele tem a certeza de que as portas do templo, isto é, o lugar da comunhão e da intimidade divina, fechadas para os incrédulos, se abrem diante dele. Entra por elas a fim de sentir a segurança da protecção divina, enquanto fora o mal se alastra e celebra os seus aparentes e efémeros triunfos.

Da oração matutina no templo o fiel recebe a força interior para enfrentar um mundo com frequência hostil. O próprio Senhor o levará pela mão e o guiará pelas estradas da cidade, ou melhor, "aplanará para ele o caminho", como diz o Salmista com uma imagem simples e sugestiva. No original hebraico esta serena confiança funda-se em duas palavras (hésed sedaqáh):  por um lado, "misericórdia ou fidelidade" e, por outro, "justiça ou salvação". São as palavras típicas para celebrar a aliança que une o Senhor ao seu povo e a cada um dos fiéis.

4. Por fim, eis que se projeta no horizonte a obscura figura da terceira personagem deste drama quotidiano:  são os inimigos, os malvados, que já se apontavam nos versículos precedentes. Depois do "Tu" de Deus e do "Eu" do orante, encontra-se agora um Eles que indica uma multidão hostil, símbolo do mal do mundo (vv. 10-11). A sua fisionomia esboçada com base num elemento fundamental na comunicação social, a palavra. Quatro elementos boca, coração, garganta, língua exprimem a radicalidade da maldade inerente às suas escolhas. A sua boca está cheia de falsidade, o seu coração planeja constantemente traições, a sua garganta é como um sepulcro aberto, preparada para desejar apenas a morte, a sua língua é sedutora, mas "carregada de veneno mortal"(Tg 3, 8).

5. Depois deste severo e realístico retrato do perverso que atenta contra o justo, o Salmista invoca a condenação divina num versículo (v. 11), que a liturgia cristã omite, querendo desta forma conformar-se com a revelação neo-testamentária do amor misericordioso, que oferece também ao malvado a possibilidade da conversão.

Neste ponto, a oração do Salmista tem um final cheio de luz e de paz (vv. 12-13), depois do obscuro perfil do pecador que acabamos de delinear. Uma vaga de serenidade e de alegria envolve quem é fiel ao Senhor. O dia que agora se inicia para o crente, apesar de ser marcado por canseiras e ansiedades, terá sempre sobre si o sol da bênção divina. O Salmista, que conhece profundamente o coração e o estilo de Deus, não tem nenhuma dúvida:  "Pois Vós, Senhor, abençoais o justo; dum escudo de graças o circundais" (v. 13).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 30 de Maio de 2001

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