30 de out. de 2012

Homília na Solenidade de Todos os Santos


Caros Irmãos e Irmãs!

É-me grato encontrar-me hoje no meio de vós para celebrar-mos juntos a Solenidade de Todos os Santos, uma das maiores do Ano Litúrgico, sem dúvida entre as mais características e mais queridas ao povo cristão. Apraz-me também concelebrar esta Santa Missa com numerosos Párocos da Cidade, os quais representam na comunhão do altar não só os seus beneméritos Irmãos, mas todas as Comunidades Paroquiais de Roma, sempre presentes no meu coração e nas minhas preocupações pastorais de Bispo da Urbe.

A festa hodierna recorda e propõe à comum meditação algumas componentes fundamentais da nossa fé cristã. No centro da Liturgia estão sobretudo os grandes temas da comunhão dos santos, do destino universal da salvação, da fonte de toda a santidade que é Deus mesmo, da esperança certa na futura e indestrutível união com o Senhor, da relação existente entre salvação e sofrimento, e de uma bem-aventurança que já desde agora qualifica aqueles que se encontram nas condições descritas por Jesus no Evangelho segundo Mateus. Como chave de toda esta rica temática, porém, está a alegria, como recitámos na Antífona da entrada: "Alegremo-nos todos no senhor nesta solenidade de todos os santos"; e é uma alegria singela, límpida, corroborante, como a de quem se encontra numa grande família onde sabe que aprofunda as próprias raízes e da qual haure a linfa da própria vitalidade e da sua própria identidade espiritual.

A primeira Leitura bíblica, tirada do livro do Apocalipse de João, transporta-nos, em termos fortemente simbólicos, para o meio da corte celeste, "em pé diante do trono e diante do Cordeiro", num contexto de transbordante exultação e de vastos horizontes. Aqui encontramos "uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas" (Apoc. 7, 9). E já é um dado consolador que dá respiração à nossa alma, porque nos é assegurado que somos muitos a festejar. Quando um dia alguém perguntou a Jesus: "Senhor, são poucos os que que salvam?", ele não respondeu diretamente; todavia, embora recordando a necessidade de "entrar pela porta estreita", prosseguiu: "Hão-de vir do Oriente, do Ocidente, do Norte e do Sul e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus" (Lc. 13, 23.24.29). Pois bem, nós hoje estamos imersos com o nosso espírito entre esta grande multidão de santos, de salvos, os quais, a partir do "justo Abel" (Mt. 23, 35), até a quem neste momento talvez esteja a morrer em qualquer parte do mundo, nos fazem coroa, nos dão coragem, e cantam todos juntos um poderoso coro de glória Aquele a quem os Salmistas chamam justamente "o Deus meu Salvador" (Sl. 24, 5) e "o Deus que é a minha alegria e o meu júbilo" (Sl. 42, 4).

De fato, neste dia, em que vivemos com particular acentuação a vivificante realidade da comunhão dos santos, devemos ter firmemente presente que no início, na base, no centro desta comunhão está o próprio Deus, que não só nos chama para a santidade, mas também e sobretudo no-la oferece magnanimamente no sangue de Cristo, vencendo assim os nossos pecados. Eis por que os santos do Apocalipse "clamam em alta voz, dizendo: 'A salvação pertence ao nosso Deus... e ao Cordeiro'" (7, 10), e depois "prostam-se sobre os seus rostos, diante do trono, e adoraram a Deus dizendo: 'Amén. Louvor, glória, sabedoria, acção de graças honra, poder e força ao nosso Deus, para todo o sempre'" (7, 12). Também nós devemos cantar ao Senhor um hino de gratidão e de adoração, como fez Maria com o seu Magnificat, para reconhecer e proclamar alegremente a magnificência e a bondade do "Pai que nos faz dignos de participar da sorte dos santos na luz... e nos transferiu para o Reino de Seu Filho muito amado" (Col. 1, 12-13). A festa de todos os santos, por conseguinte, convida-nos a não nos inclinarmos nunca sobre nós mesmos, mas a levantar os olhos para o Senhor a fim de estarmos alegres (cf. Sl. 34, 6); a não considerarmos as nossas pobres virtudes, mas a graça de Deus que sempre nos confunde (cf. Lc. 19, 5-6); a não fazermos conta das nossas forças, mas a confiar finalmente n'Aquele que nos amou quando ainda éramos pecadores (cf. Rom. 5, 8); e também a não nos cansarmos nunca de praticar o bem, porque de qualquer modo a nossa santificação é "vontade de Deus" (1 Tess. 4, 3).

Por sua vez, o Evangelho que há pouco foi lido faz-nos recordar um aspecto essencial da nossa identidade cristã e do que constitui a santidade. As Bem-aventuranças pronunciadas tão solenemente por Jesus colocam-se, por um lado, em antítese com alguns valores que pelo contrário são honrados pelo mundo e, por outro lado, na perspectiva de um destino futuro e definitivo, em que as situações são invertidas. Elas ou mantêm-se ou caem todas juntas; não se lhes pode extrair só uma e cultivá-la em prejuízo das outras. Todos os santos sempre foram e são contemporaneamente, embora em medida diversa, pobres de espírito, mansos, aflitos, famintos e sequiosos de justiça, misericordiosos, puros de coração, artífices de paz e perseguidos pela causa do Evangelho. E assim devemos ser também nós. Além disso, na base desta página evangélica é evidente que a bem-aventurança cristã, como sinónimo de santidade, não está separada de uma componente de sofrimento ou pelo menos de dificuldade: não é fácil ser ou querer ser pobres, mansos, puros; não se quereria ser perseguido, nem sequer por causa da justiça. Mas o reino dos céus é para os anticonformistas (cf. Rom. 12, 2), e são válidas também para nós as palavras de São Pedro: "Se sois ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus, repousa sobre vós. Que nenhum de vós sofra por ser homicida, ladrão, difamador, ou por cobiçar os bens alheios. Mas, se sofre por ser cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus por ter este nome" (1 Ped. 4, 14-16). De fato, a nossa perspectiva não é a breve termo, mas sem fim. São escritas para nós as palavras iluminadoras do apóstolo Paulo: "a nossa leve e momentânea tribulação prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória. Por isso, não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas" (2 Cor. 17-18).

Caros Irmãos e Irmãs, o lugar cemiterial em que estamos reunidos convida-nos a meditar também sobre o nosso destino futuro, ao mesmo tempo que cada um pensa nos próprios entes queridos, que já nos precederam no sinal da fé e dormem o sono da paz. A segunda Leitura bíblica da Missa, tirada da primeira Carta de São João apóstolo, exprimia-se assim: "agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser" (3, 2). Há pois uma distância entre o que já somos e o que havemos de ser, isto é, em certo sentido, entre o que nós somos e o que já são os nossos defuntos. Entre estes dois pólos coloca-se a nossa expectativa e a nossa esperança, que vai muito além da morte, porque a considera apenas como uma passagem para encontrarmos definitivamente o Senhor e para sermos "semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é" (ibid.). Hoje somos também convidados a viver uma particular comunhão litúrgica a eles dedicada no dia de amanhã. Na fé e na oração restabelecemos assim os laços familiares com eles, que nos vêem, nos seguem e nos assistem. Eles, na expectativa da ressurreição, já vêem o Senhor "como Ele é", e por conseguinte encorajam-nos a prosseguir o caminho, ou melhor a peregrinação que ainda nos resta na terra. De fato, "não temos aqui a cidade permanente, mas vamos em busca da futura" (Heb. 13, 14). O importante é que não nos cansemos e sobretudo não percamos de vista a meta final. O pensamento voltado para os nossos defuntos ajuda-nos nisto porque eles já estão onde havemos de estar também nós. Melhor, há um campo comum entre nós e eles, que no-los torna próximos, e é a própria inserção no mistério trinitário do Pai, do Filho e do Espírito Santo, baseada no mesmo batismo: aqui damo-nos as mãos, porque neste âmbito não existe a morte, mas apenas a única corrente de vida que nunca tem ocaso.

Desta fé deriva a nossa alegria e a nossa força. O Senhor no-la mantenha sempre intacta e fecunda. E com a sua graça nos proteja e ampare sempre. Assim seja!

-- Homília proferida pelo Papa João Paulo II em 1o. de Novembro de 1980, Solenidade de Todos os Santos.

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